
As decisões do Supremo Tribunal Federal frequentemente ocupam o centro do debate público, gerando manchetes, paixões e controvérsias. Poucas vezes, no entanto, um julgamento concentrou tanta atenção quanto o da Ação Penal 2668, que nesta semana culminou na condenação, pela Primeira Turma, dos oito réus do chamado “Núcleo Crucial” da tentativa de golpe de Estado.
O placar foi de quatro a um. A maioria, formada pelos Ministros Alexandre de Moraes (relator), Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, concluiu pela existência de uma organização criminosa armada e pela prática dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Diante de um resultado tão expressivo, a pergunta se aprofunda: o que, para além das manchetes, fundamenta cada voto? E, talvez mais importante, o que levou um Ministro a divergir, construindo um raciocínio jurídico inteiramente distinto?
Com o objetivo de responder a essas perguntas, nasce a série “Supremo Explicado”. Nossa missão é abrir a “caixa-preta” dos votos mais importantes, traduzindo o juridiquês e revelando a lógica por trás de cada argumento, de forma clara, técnica e objetiva.
Para inaugurar a série, escolhemos mergulhar fundo justamente no voto divergente, o voto vencido do Ministro Luiz Fux. Sua manifestação representa um contraponto técnico fundamental ao entendimento da maioria, absolvendo seis dos oito réus e condenando dois por apenas um crime. Analisá-lo é essencial para compreender as diferentes teses em disputa e os limites da interpretação da lei penal. A análise que você lerá a seguir funciona como uma verdadeira aula de Direito Penal e Constitucional, demonstrando como garantias fundamentais e a técnica jurídica apurada podem levar a conclusões radicalmente opostas, mesmo diante dos mesmos fatos.
Mergulhe conosco neste estudo e acompanhe a série. O próximo voto a ser explicado pode ser aquele que você mais deseja entender.
Voto do Ministro Luiz Fux no Julgamento da Ação Penal na Ação Penal 2668
O voto do Ministro Luiz Fux, proferido no âmbito do Supremo Tribunal Federal, destaca-se pelo , rigor técnico e minimalismo interpretativo, buscando diferenciar a função jurisdicional da atividade política. A missão precípua do STF é a guarda da Constituição, assegurando a autoridade das normas constitucionais e legais. No campo criminal, a Corte atua como juízo de primeira instância, garantindo a plenitude do contraditório e da ampla defesa, e firmando um juízo definitivo de certeza sobre fatos e provas. As decisões do Supremo projetam-se como precedentes vinculantes, exigindo estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica.
O Ministro Fux estruturou seu voto em duas grandes partes: a análise das questões preliminares e o mérito, este último subdividido em premissas teóricas sobre os crimes e a análise individualizada das condutas de cada réu.
I. Preliminares: Questões Processuais e Garantias Fundamentais
O Ministro Luiz Fux iniciou seu voto abordando uma série de preliminares, que são questões processuais que, se acolhidas, podem impactar a própria tramitação e validade da ação penal.
Incompetência Absoluta do Supremo Tribunal Federal e da Primeira Turma para o Julgamento:
Fundamento: O Ministro Fux enfatizou que a competência do Supremo para processar e julgar originariamente, conforme o Art. 102, inciso I, alínea “b” da Constituição Federal, se aplica às infrações penais comuns cometidas por pessoas que exercem cargos com prerrogativa de foro (como o Presidente da República, membros do Congresso Nacional, Ministros do STF, etc.). Ele citou juristas como Calamandrei, Coveno e Henrique Tuliva para sublinhar que a competência é um pilar do Estado de Direito e que a incompetência ratione personae é absoluta e insuperável.
Argumentos do Ministro Fux: Os réus neste processo não possuíam prerrogativa de foro no momento do julgamento. A jurisprudência da Corte, no entendimento do Ministro Fux, mudou após a data dos crimes, o que, segundo ele, levanta questões sobre “casuísmo” e ofende o princípio do juiz natural e da segurança jurídica. Ele recordou a Ação Penal 937, que estabeleceu a interpretação restritiva da prerrogativa de foro, e destacou que, uma vez cessado o cargo antes do término da instrução, a prerrogativa deixaria de existir.
Conclusão de Fux: O Ministro acolheu a preliminar de incompetência absoluta do Supremo Tribunal Federal, defendendo a nulidade de todos os atos decisórios praticados.
Incompetência da Primeira Turma e Competência do Plenário do Supremo Tribunal Federal:
Fundamento: Fux argumentou que, apesar das sucessivas emendas regimentais, o Art. 5º do Regimento Interno do STF sempre manteve a competência do Plenário para processar e julgar o Presidente da República em crimes comuns. Ele assinalou que, se um réu está sendo julgado “como se presidente fosse”, a ação deveria ter se iniciado e tramitado no Plenário.
Argumentos do Ministro Fux: Rebaixar a competência do Plenário para uma das Turmas “silenciaria as vozes de ministros que poderiam exteriorizar sua forma de pensar”. Ele invocou o princípio da “perpetuatio jurisdictionis” pela conexão, citando a Ação Penal 1060, onde a competência foi estendida ao Plenário por conexão com outros réus. A prerrogativa de foro, quando existente para o ex-Presidente, manteria a competência do STF, mas no Plenário.
Conclusão de Fux: O Ministro acolheu a preliminar de incompetência absoluta da Primeira Turma, declarando a nulidade de todos os atos praticados.
Cerceamento de Defesa por Violação da Garantia Constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa (Data Dump):
Fundamento: O Ministro Fux enfatizou a centralidade do contraditório e da ampla defesa, citando Sêneca (“Quem decide o que quer que seja sem ouvir a outra parte, mesmo que decida com justiça, efetivamente não é justo”), a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Constituição Federal de 1988 e o Pacto de São José da Costa Rica. Ele também mencionou a Súmula Vinculante 14 do STF, que garante ao defensor amplo acesso aos elementos de prova documentados em procedimento investigatório.
Argumentos do Ministro Fux: A defesa alegou cerceamento devido à disponibilização tardia de um “tsunami de dados” (70 terabytes) sem identificação suficiente ou antecedência razoável, o que impediu a efetiva preparação da defesa. Ele comparou o volume de dados a “bilhões de páginas” e observou que a Polícia Federal enviou os links de acesso aos arquivos apenas cinco dias antes do início das oitivas de testemunhas, sem nomenclatura adequada ou índice para pesquisa. Fux citou o professor Gustavo Badaró, que destacou a violação da ampla defesa, e precedentes da Justiça Federal que já haviam absolvido réus em casos semelhantes.
Conclusão de Fux: O Ministro acolheu a preliminar de violação da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa, reconhecendo o cerceamento de defesa e declarando a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia.
Validade da Colaboração Premiada de Mauro César Barbosa Cid:
Fundamento: O Ministro Fux fez uma digressão sobre a Lei 12.850/2013, que disciplina a colaboração premiada, e os benefícios que podem ser concedidos. Ele também mencionou a importância da eficiência do sistema de justiça e a análise econômica do sistema para justificar a aceitação da colaboração.
Argumentos do Ministro Fux: Apesar de suas críticas anteriores à delação premiada, o Ministro Fux revisou seu entendimento, destacando que a colaboração de Mauro Cid resultou em fatos novos para a investigação e que o colaborador se autoincriminou, sempre acompanhado de advogado. Ele também considerou as advertências pontuais feitas pelo relator ao colaborador sobre o descumprimento do pacto. A homologação da delação pelo relator em 9 de setembro de 2023 atestou sua regularidade e legalidade.
Conclusão de Fux: O Ministro acolheu o parecer do Ministério Público, votando pela aplicação dos benefícios da colaboração premiada a Mauro César Sid, incluindo perdão judicial, substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, e redução em até 2/3 da pena, além da restituição de bens e valores e proteção policial para ele e sua família.
Extensão dos Efeitos da Decisão de Suspensão da Ação Penal em Relação ao Réu Alexandre Ramagem Rodrigues:
Fundamento: Esta preliminar foi articulada após a Resolução 18/2025 da Câmara dos Deputados, que determinou a suspensão da ação penal em relação a crimes praticados após a diplomação.
Argumentos do Ministro Fux: O Ministro Fux argumentou que o crime de organização criminosa é um delito de natureza permanente, cuja consumação se prolonga enquanto a estrutura criminosa se mantiver ativa. Portanto, não seria “desmembrável” em ilícitos distintos antes e depois da diplomação, de modo que a suspensão da ação deveria abranger também esse crime. Ele citou precedentes do STF que aplicam lei nova (mesmo mais gravosa) a crimes permanentes.
Conclusão de Fux: O Ministro votou pela extensão dos efeitos da decisão de suspensão da ação penal (e respectiva prescrição) para os crimes de dano qualificado, dano a bem tombado, e também para o crime de organização criminosa em relação a Alexandre Ramagem Rodrigues.
II. Premissas Teóricas para o Julgamento de Mérito
Antes de analisar as condutas individualmente, o Ministro Fux estabeleceu premissas teóricas fundamentais para a interpretação dos crimes, baseando-se em princípios do direito penal e doutrinas consagradas.
Princípios Gerais do Direito Penal e da Interpretação Jurídica:
Princípio da Legalidade Estrita: Fux invocou Cesare Beccaria para afirmar que “apenas leis podem indicar as penas de cada delito” e que o magistrado não pode ser mais severo do que a lei. A interpretação deve ser objetiva, rigorosa e minimalista, sem “consultar o espírito da lei” para evitar subjetividade. O princípio “nullum crimen nulla poena sine lege” exige que as convenções penais se refiram a fatos, e não a pessoas, excluindo interpretações arbitrárias.
Interpretação Restritiva e Analogia In Malam Partem: A interpretação da lei penal deve seguir a legalidade estrita, evitando a “dissolução de limites” por interpretação extensiva que possa eliminar elementares legais. As ações devem corresponder “precisamente” à figura delituosa, “como uma luva se encaixa na mão”. A analogia in malam partem é uma garantia constitucional intransponível.
Direito Penal do Fato e Não do Autor: O direito penal, embora se construa sobre pilares morais, não se confunde com a moral. A responsabilidade penal é pelo fato cometido, e não pelo “caráter ou modo de ser do indivíduo”. A “cogitationis poenam nemo patitur” (ninguém pode ser punido pelo pensamento) é um princípio basilar.
Premissas Teóricas do Crime de Organização Criminosa (Lei 12.850/2013):
Elementos Essenciais: O Ministro detalhou que o crime exige uma reunião estável ou permanente de, no mínimo, quatro pessoas, com estrutura ordenada e divisão de tarefas, e, crucialmente, para o fim de perpetração de uma série indeterminada de crimes. A indeterminação dos crimes é o que o distingue do mero concurso de pessoas, onde o acordo é para delitos individualizados. O dolo deve ser de se dedicar de modo estável e permanente à atividade criminosa.
Causa de Aumento pelo Emprego de Arma de Fogo: Para a incidência dessa majorante (Art. 2º, § 2º), o texto legal exige o “efetivo emprego da arma de fogo na atuação da organização criminosa”. Não basta que um integrante porte arma, mas que ela seja utilizada na prática dos crimes.
Premissas Teóricas dos Crimes de Dano Qualificado (Art. 163, parágrafo único, CP) e Dano a Bem Tombado (Art. 62, Lei 9.605/98):
Resultado Material e Dolo Específico: Ambos os crimes exigem um resultado material (efetiva lesão) e, no dano qualificado, dolo específico (propósito de causar prejuízo patrimonial), não apenas o dolo genérico. O dano culposo é exceção na Lei Ambiental.
Princípio da Subsidiariedade: O crime de dano é subsidiário; se for meio para a prática de um crime mais grave, é por este absorvido.
Autoria Mediata e Omissão: A autoria mediata só se aplica se o executor for um “instrumento” sem discernimento (inimputáveis, erro, coação irresistível). A responsabilidade por omissão exige dever legal específico de agir (posição de garante) e dolo para o resultado, não meras obrigações morais.
Conflito Aparente de Normas: Havendo conflito entre dano qualificado (CP) e dano a bem tombado (Lei Ambiental), a Lei 9.605/98 (norma especial) prevalece, por tutelar bem jurídico de maior relevância social e ter pena mais severa.
Responsabilidade Individual: É imperativa a demonstração da responsabilidade individual e não solidária ou objetiva em matéria penal, conforme precedentes do STF (AP 619).
Premissas Teóricas dos Crimes de Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito (Art. 359-L CP) e Golpe de Estado (Art. 359-M CP):
Bem Jurídico: O “Estado Democrático de Direito” é um conceito multifacetado, abrangendo liberdades fundamentais, eleições, separação de poderes, soberania da Constituição, independência do judiciário, devido processo legal, combate à corrupção, entre outros.
Dolo e Verbo “Abolir” (359-L): O dolo exige que o agente direcione voluntariamente sua conduta à supressão material de todos os elementos do estado democrático de direito, com perigo real e não meramente hipotético. O verbo “abolir” denota uma ação capaz de suprimir ou eliminar completamente, não bastando enfraquecer ou mitigar.
Não Criminalização do Debate Público: O Art. 359-T do CP estabelece que “não constitui crime previsto neste título a manifestação crítica aos Poderes Constitucionais”. Discursos “inflamados e irrefletidos” de agentes políticos, ou “fake news”, mesmo que reprováveis, não podem ser punidos por esses crimes, sob pena de gerar “efeito inibidor” à democracia.
“Violência ou Grave Ameaça”: Ambos os tipos (359-L e 359-M) exigem que a conduta criminosa seja “em si violenta ou gravemente ameaçadora”, não bastando mera preparação ou instigação genérica.
Golpe de Estado (359-M) e “Autogolpe”: O crime de golpe de Estado exige a conduta de “depor” o governo legitimamente constituído. A figura do “autogolpe” (presidente eleito que se apropria do poder para perpetuar-se) não se enquadra na literalidade do tipo penal do 359-M, devido à proibição de analogia in malam partem. Golpes de Estado requerem ações de grupos organizados com recursos e capacidade estratégica, não “turbas desordenadas”.
Princípio da Consunção: Quando a abolição do Estado Democrático de Direito é perseguida pela deposição violenta do governo, o crime de Golpe de Estado (359-M) absorve o crime de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito (359-L), pois o primeiro é o meio para atingir a finalidade do segundo, e tem pena mais grave.
Atos Executórios da Tentativa: A punição da tentativa deve se restringir ao ataque direto, efetivo e imediato ao bem jurídico. A cogitação é impunível (“cogitationis poenam nemo patitur”). Atos preparatórios não são objeto de reprimenda criminal, salvo se constituírem delitos autônomos. O ato executório deve ser “imediatamente anterior à plena realização dos elementos do tipo” e criar “perigo igualmente imediato”, com dolo de consumar.
Omissão: Penalmente relevante (Art. 13, § 2º, CP) somente se o omitente tinha dever legal específico de agir (posição de garante) e dolo para o resultado.
III. Análise Individualizada das Condutas e Conclusões para Cada Réu
Após a fundamentação teórica, o Ministro Fux aplicou esses princípios para analisar a conduta de cada réu em relação aos crimes imputados, chegando às seguintes conclusões:
Mauro César Barbosa Cid:
Crimes Imputados: Organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado.
Organização Criminosa Armada:
Fundamentos para improcedência: O Ministro Fux concluiu que não há prova de que Mauro Cid tenha se unido com mais de quatro pessoas para, de forma duradoura, praticar um número indeterminado de crimes destinados à tomada do poder. As mensagens, embora ilícitas, não preenchem as elementares do tipo de organização criminosa, que exige “a prática de crimes indeterminados com penas máximas superiores a 4 anos […] de modo durador estruturado”. O que se apura, segundo o Ministro, é a prática de crimes em concurso de agentes, sem os requisitos de organização criminosa.
Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado:
O Ministro Fux aplicou o princípio da consunção, considerando o crime de golpe de Estado (359-M) absorvido pelo de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (359-L).
Fundamentos para procedência em parte (Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito):
Troca de mensagens com oficial Rafael de Oliveira sobre financiamento de manifestações para incentivar atos destinados a abolir violentamente o Estado Democrático de Direito. Cid sugeriu valores (R$ 100 mil disponibilizados por Braga Neto), agendou reuniões e passou orientações para que as manifestações fossem dirigidas ao Congresso e ao STF.
Participação em reuniões que discutiam a necessidade de ações que mobilizassem as massas e gerassem caos social para permitir a assinatura de um estado de defesa/sítio e impedir a posse do presidente eleito. A execução de um ministro do Supremo foi discutida como uma dessas ações.
Pedidos de monitoramento do Ministro Alexandre de Moraes para verificar sua localização e viabilizar sua “violenta execução”, caracterizando um “ato material concreto para de forma violenta abolir ou regular o funcionamento de um dos poderes da República”.
Conhecimento e envolvimento na “Operação Copa 2022”, descrita como “ação de campo clandestina para execução de plano antidemocrático de prisão execução do ministro Alexandre Moraes”.
Mensagens de Cid indicando sua aceitação e esforço pessoal para a ruptura (“ainda não terminou ainda não terminou não estamos fazendo mais pelo presidente sim pelo Brasil pelos nossos filhos e netos”).
Sua atuação não se esgotou na fase preparatória, mantendo comunicação frequente com os executores e solicitando informações sobre o deslocamento do Ministro.
Dano Qualificado e Dano a Bem Tombado:
Fundamentos para improcedência: O Ministro concluiu que não há prova de que Mauro Cid tenha determinado a destruição dos bens públicos ou que suas condutas em reuniões demonstrassem tal ordem. A acusação genérica não foi suficiente, e a ausência de individualização da conduta é grave. Além disso, Mauro Cid estava de férias nos Estados Unidos em 8 de janeiro de 2023, o que afasta sua responsabilidade direta pelos danos.
Conclusão do Ministro Fux para Mauro César Barbosa Cid: Parcialmente procedente, condenado pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Julgado improcedente para os crimes de organização criminosa armada, golpe de Estado (absorvido), dano qualificado e destruição/deterioração de bens e patrimônios tombados.
Almir Garnier Santos:
Crimes Imputados: Organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Organização Criminosa Armada:
Fundamentos para improcedência: As premissas teóricas do crime de organização criminosa não foram preenchidas. A acusação narrou a participação do réu em duas reuniões, disponibilizando auxílio para crimes determinados, não uma série indeterminada de delitos, nem uma associação estável e permanente. O MP inovou nas alegações finais ao adicionar fatos (desfile militar, ausência em cerimônia) não narrados na denúncia, violando o princípio da correlação.
Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado:
Fundamentos para improcedência: A conduta de se “colocar à disposição” ou “estar à disposição” em reuniões não configura o início de execução dos crimes, mas sim uma disposição em participar de um evento futuro e incerto, que é um mero ato preparatório ou cogitação, impunível. Não há prova de que Garnier tenha efetivamente convocado tropas ou prestado auxílio material concreto. As testemunhas (Batista Júnior, Freire Gomes) não confirmaram em juízo que Garnier tenha emitido declarações de concordância com medidas extremas. A dúvida quanto à postura do réu não foi sanada, e o ônus constitutivo da prova não foi cumprido pelo MP.
Dano Qualificado e Dano a Bem Tombado:
Fundamentos para improcedência: Não há prova de que Garnier tenha determinado a destruição dos bens, nem correlação mínima entre suas ações e a prática dos danos.
Conclusão do Ministro Fux para Almir Garnier Santos: Improcedente para todos os crimes.
Jair Messias Bolsonaro:
Crimes Imputados: Liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado.
Premissas Específicas para o Réu:
Condutas praticadas durante o mandato presidencial não podem configurar o crime de Golpe de Estado (359-M CP), pois ele não pode “depor” a si mesmo (“autogolpe”). Criminalizar por analogia seria um precedente perigoso e feriria a proibição da analogia in malam partem.
Discursos e entrevistas proferidos ao longo do mandato não podem ser equiparados a atos de violência que justificassem a participação em crimes praticados meses depois por terceiros, pois haveria um rompimento do nexo causal (Art. 13, §1º, CP). Não se admite a imputação penal objetiva no direito penal.
Organização Criminosa Armada:
Fundamentos para improcedência: As condutas narradas não preenchem os requisitos de estabilidade, permanência e finalidade de praticar crimes indeterminados. A denúncia não narrou tal propósito. A estratégia de imputar duplamente crimes contra o Estado Democrático de Direito para preencher o requisito da pena máxima superior a 4 anos para organização criminosa foi considerada equivocada. Não há descrição do efetivo emprego de arma de fogo.
Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado:
Fundamentos para improcedência:
BIP Paralela (ABIN): O acionamento da ABIN para assessorar o Presidente não é ilegal. Atividades de inteligência (coleta/análise) não configuram atos executórios violentos. Fux apontou incoerências na cronologia do uso da ferramenta First Mile e a retratação de Mauro Cid sobre ordens de Bolsonaro para monitoramento de autoridades.
Ataques ao Sistema Eleitoral: Críticas ao sistema eleitoral e discursos (mesmo que ácidos ou falsos) são manifestações críticas aos Poderes Constitucionais, protegidas pelo Art. 359-T do CP e não podem ser criminalizadas. Fux citou sua própria experiência como presidente do TSE, afirmando que a defesa do voto impresso não é subversiva. A ausência de interferência de Bolsonaro no relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas foi confirmada por testemunha. A representação ao TSE, mesmo que inconsistente, é garantia do acesso à justiça e não crime. A suposta interferência da PRF nas eleições não teve provas de ciência ou participação dolosa de Bolsonaro.
Planos de Ações Antidemocráticas: Reuniões e minutas de decretos foram consideradas no plano da mera cogitação ou atos preparatórios, impuníveis. A “minuta de estado de sítio” encontrada no PL foi considerada uma prova ilícita (produzida para defesa). Mauro Cid confirmou em depoimento que Bolsonaro não assinaria esses documentos e que ele “efetivamente obstou o início de ato executório”. Os planejamentos “Punhal Verde Amarelo” e “Copa 2022” não tiveram prova de ciência ou contribuição de Bolsonaro.
Dano Qualificado e Dano a Bem Tombado:
Fundamentos para improcedência: Não há provas de vínculo de Bolsonaro com os vândalos de 8 de janeiro, nem de que ele tenha dado ordens para a destruição. Não estava em Brasília na data dos fatos.
Conclusão do Ministro Fux para Jair Messias Bolsonaro: Improcedente para todos os crimes.
Walter Souza Braga Neto:
Crimes Imputados: Organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado.
Organização Criminosa Armada:
Fundamentos para improcedência: Não foram preenchidos os requisitos de estabilidade, permanência e crimes indeterminados para configurar organização criminosa. O financiamento da “Operação Copa 2022” foi episódico e não configura uma organização estável.
Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado:
O Ministro Fux aplicou o princípio da consunção, considerando o crime de golpe de Estado (359-M) absorvido pelo de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (359-L).
Fundamentos para procedência em parte (Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito):
Participou de reunião em 12/11/2022 com Mauro Cid e outros, onde se discutiu a necessidade de ações que mobilizassem as massas e gerassem caos social para permitir a assinatura de estado de defesa/sítio e impedir a posse do presidente eleito.
Concebeu e financiou a “Operação Copa 2022”, um plano clandestino para a prisão/execução do Ministro Alexandre de Moraes. O dinheiro (R$ 100 mil, obtido junto ao “pessoal do agronegócio”) foi entregue a Mauro Cid.
A execução desse plano (prisão/execução de um Ministro do STF) seria um ato executório de natureza violenta com potencial de gerar comoção social e risco à separação de poderes, ameaçando a alternância democrática. A operação só não foi consumada porque uma sessão do STF foi suspensa abruptamente.
Dano Qualificado e Dano a Bem Tombado:
Fundamentos para improcedência: Não há prova de vínculo de Braga Neto com os vândalos de 8 de janeiro.
Conclusão do Ministro Fux para Walter Souza Braga Neto: Parcialmente procedente, condenado pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Julgado improcedente para os crimes de organização criminosa armada, golpe de Estado (absorvido), dano qualificado e destruição/deterioração de bens e patrimônios tombados.
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira:
Crimes Imputados: Organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado.
Organização Criminosa Armada:
Fundamentos para improcedência: Não houve preenchimento dos requisitos (estabilidade, permanência, crimes indeterminados) para o crime de organização criminosa. A acusação contra Nogueira se concentrou na questão eleitoral e reuniões.
Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado:
Fundamentos para improcedência: A participação em reuniões e sua fala na reunião de 05/07/2022 (“Comissão de Transparência Eleitoral para inglês ver”), o atraso na divulgação do relatório do Ministério da Defesa e a nota oficial divulgada são considerados, no máximo, atos preparatórios ou “falsidades”, mas sem potencialidade ou constituição de início de execução para os crimes de abolir o Estado Democrático de Direito. As testemunhas de acusação (Batista Júnior, Freire Gomes) e o corréu Mauro Cid indicaram que Nogueira não apoiou as medidas de ruptura institucional, mas buscou “demover o presidente”. O MP inovou nas alegações finais ao imputar crimes por omissão, o que violaria o princípio da correlação entre denúncia e sentença.
Dano Qualificado e Dano a Bem Tombado:
Fundamentos para improcedência: Não há prova de que Nogueira tenha ordenado a destruição dos bens, nem que tivesse conhecimento de que tais atos ocorreriam.
Conclusão do Ministro Fux para Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira: Improcedente para todos os crimes.
Augusto Heleno Ribeiro Pereira:
Crimes Imputados: Organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Organização Criminosa Armada, Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito, Golpe de Estado, Dano Qualificado e Dano a Bem Tombado:
Fundamentos para improcedência (para todos os crimes): O Ministro Fux invocou a inadequação típica do Art. 359-M para fatos ocorridos no mandato (autogolpe), a impossibilidade de punir cogitação e atos preparatórios, a ausência de posição de garante para responsabilidade por omissão, e a não configuração dos requisitos de organização criminosa.
Ataques ao Sistema Eleitoral: Discursos críticos ou rascunhos com questionamentos ao sistema eleitoral são manifestações protegidas pelo Art. 359-T do CP e não configuram atos executórios violentos. Fux destacou anotações rudimentares sem data definida, muitas vezes desorganizadas, sem dolo ou potencialidade lesiva.
BIP Paralela: Anotações pessoais ou discussões em reuniões (inclusive antes da vigência dos artigos 359-L/M) não provam monitoramento ilegal ou atos executórios violentos. A menção de “montar um esquema para acompanhar o que os dois lados estão fazendo” foi interpretada como acompanhamento ordinário para evitar atentados, não abolição violenta. As provas apresentadas foram consideradas “parcas e rarefeitas”.
Planos de Ações Antidemocráticas: A minuta do gabinete de gestão de crise, encontrada com Mário Fernandes, apresentava inconsistências e não havia prova de que Heleno tivesse conhecimento dela. Uma simples viagem a Brasília não prova reunião para atentado.
Conclusão do Ministro Fux para Augusto Heleno Ribeiro Pereira: Improcedente para todos os crimes.
Anderson Gustavo Torres:
Crimes Imputados: Organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado.
Organização Criminosa Armada:
Fundamentos para improcedência: Não foram preenchidos os requisitos para o crime de organização criminosa. Não havia prova de que Torres era próximo de militares para um golpe ou de que houvesse determinação para danos ou crimes.
Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado:
Fundamentos para improcedência: Os atos praticados durante o mandato não podem configurar Golpe de Estado (359-M) (autogolpe). Não há prova de que Torres tenha determinado ou planejado a abolição violenta do Estado Democrático de Direito. A alegada negligência ou omissão, mesmo que reprovável, não se encaixa nos tipos penais (que exigem dolo, não admitem culpa). Sua participação na live de 29/07/2021 (defesa do voto auditável) e na reunião de 05/07/2022 foram breves e não criminosas. A acusação sobre o uso da Polícia Rodoviária Federal para dificultar a votação de eleitores não teve provas de ciência ou determinação de Torres, e as blitzes são parte da rotina de segurança eleitoral. Testemunhos uníssonos indicaram que Torres adotou tom institucional e não partidário.
Dano Qualificado e Dano a Bem Tombado:
Fundamentos para improcedência: Torres havia planejado férias com antecedência e avisou o governador, deixando um substituto, o que afasta a tese de omissão planejada. Sua comunicação com autoridades no dia dos eventos (“Não deixe chegar no Supremo”) revelou preocupação e compromisso. A responsabilidade pela segurança pública era da Polícia Militar do Distrito Federal, não diretamente do Secretário. Não há prova de determinação de deterioração do patrimônio.
Conclusão do Ministro Fux para Anderson Gustavo Torres: Improcedente para todos os crimes.
Alexandre Ramagem Rodrigues:
Crimes Imputados: Organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e dano qualificado.
Organização Criminosa Armada:
Fundamentos para improcedência: Não preenche os requisitos (estabilidade, permanência, crimes indeterminados) do tipo penal. Eventuais desvios de finalidade da ABIN (como a “BIP paralela” ou o uso do First Mile) seriam outros ilícitos, mas não se encaixam no crime de organização criminosa para os fins da denúncia. Mauro Cid, colaborador, não o incluiu no núcleo da suposta organização, nem o classificou como “radical”.
Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado:
Fundamentos para improcedência: Arquivos com mensagens (“Presidente TSE Informa”, “Bom dia Presidente”, “PR Presidente”) que continham críticas às urnas, ao STF e sugestões para descumprimento de ordens judiciais, embora de teor “deplorável”, não representavam ações violentas concretas, mas sim “pensamento”, “discurso”, “rascunhos” impuníveis. Fux reiterou que a distância entre a reprovabilidade de um discurso e considerá-lo crime é expressiva. A atuação de grupo técnico da ABIN sobre urnas se encaixa no acordo com o TSE e não é ilícito penal. O uso da ferramenta First Mile pela ABIN se deu antes da gestão de Ramagem e foi descontinuado antes do período dos fatos, e ele mesmo determinou apuração de irregularidades em seu uso. A sugestão de consulta à AGU sobre a legalidade de uma decisão do STF, embora grave, não configurou ação violenta e sequer foi efetivada.
Dano Qualificado e Dano a Bem Tombado:
Conclusão do Ministro Fux: Considerou o pedido prejudicado devido à Resolução 18/2025 da Câmara dos Deputados e à decisão da Turma do STF, que determinaram a suspensão da ação penal (e respectiva prescrição) para estes crimes.
Conclusão do Ministro Fux para Alexandre Ramagem Rodrigues: Improcedente para os crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. O pedido referente aos crimes de dano foi considerado prejudicado.
Em suma, o voto do Ministro Luiz Fux reflete um compromisso com a estrita legalidade penal, a necessidade de prova robusta e individualizada para a condenação, a separação entre cogitação/atos preparatórios e atos executórios, e a proteção do debate público contra a criminalização de discursos, mesmo que críticos ou falaciosos.
Ele acolheu as preliminares que poderiam levar à nulidade do processo, exceto a da colaboração premiada de Mauro Cid, e, no mérito, condenou apenas Mauro Cid e Walter Souza Braga Neto pela participação em atos executórios violentos diretos contra as instituições democráticas, especificamente o plano de atentado ao Ministro Alexandre de Moraes. Para os demais réus e a maioria dos crimes, a ausência de elementos típicos e de provas suficientes para a condenação resultou na improcedência da ação.
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