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Keila Amorim

Notícia do STJ - Filho que agrediu pai é enquadrado na lei Maria da Penha:

Henrique Araujo
Escrito por Henrique Araujo em outubro 14, 2012
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Ao julgar o recurso em HC de um filho que teria ferido o pai ao empurrá-lo, a 5ª turma do STJ entendeu que não é correto afirmar que a pena mais grave atribuída ao delito de lesões corporais, quando praticado no âmbito das relações domésticas, seja aplicável apenas nos casos em que a vítima é mulher, pelo simples fato de essa alteração ter-se dado pela lei 11.340/06 (lei Maria da Penha).

Em decisão unânime, os ministros consideraram que, embora a lei tenha sido editada com o objetivo de coibir com mais rigor a violência contra a mulher no âmbito doméstico, o acréscimo de pena introduzido no parágrafo 9º do artigo 129 do CP pode perfeitamente ser aplicado em casos nos quais a vítima de agressão seja homem.
O art. 129 descreve o crime de lesão corporal como “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, estabelecendo a pena de detenção de três meses a um ano. Se a violência ocorre no ambiente doméstico (parágrafo 9º), a punição é mais grave. A lei Maria da Penha determinou que, nesses casos, a pena passasse a ser de três meses a três anos, contra seis meses a um ano anteriormente.
Transação penal
A defesa alegou que, por ter origem na lei Maria da Penha, o artigo, com sua redação atual, não poderia ser aplicado no caso, por se tratar de vítima do sexo masculino. O HC foi negado no TJ/RJ, o que levou a defesa a recorrer ao STJ.
No recurso, a defesa sustentou que, antes, a violência doméstica era tida como crime de menor potencial ofensivo, passível de transação penal, e por isso a incidência do novo dispositivo trazido pela lei deveria ser de aplicação restrita à violência contra mulheres. Com esse argumento, foi pedido o trancamento da ação penal.
O relator do recurso, ministro Jorge Mussi, disse que a lei Maria da Penha foi introduzida no ordenamento jurídico “para tutelar as desigualdades encontradas nas relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, e embora tenha dado enfoque à mulher, na maioria das vezes em desvantagem física frente ao homem, não se esqueceu dos demais agentes dessas relações que também se encontram em situação de vulnerabilidade”.
Como exemplo, o ministro citou o caso de agressões domésticas contra portadores de deficiência (parágrafo 11), circunstância que aumenta em um terço a pena prevista no parágrafo 9º do artigo 129 – também conforme modificação introduzida pela lei 11.340.
Entretanto, o relator destacou que, embora considere correto o enquadramento do réu no artigo 129, parágrafo 9º, do CP – dispositivo alterado pela Maria da Penha –, os institutos peculiares dessa lei não são aplicáveis no caso, que não trata de violência contra a mulher.
_________

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 27.622 – RJ (2010/0021048-3)
RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
RECORRENTE : J.I.S.V.
ADVOGADO : MARCELLO RAMALHO
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. VÍTIMA DO SEXO MASCULINO. ALTERAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO PELA LEI N. 11.340/06. APLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DESCRITO NO ARTIGO 129, CAPUT, C/C ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “E”, DO CÓDIGO PENAL. NORMA DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO IMPROVIDO.
1. Não obstante a Lei n. 11.340/06 tenha sido editada com o escopo de tutelar com mais rigor a violência perpetrada contra a mulher no âmbito doméstico, não se verifica qualquer vício no acréscimo de pena operado pelo referido diploma legal no preceito secundário do § 9º do artigo 129 do Código Penal, mormente porque não é a única em situação de vulnerabilidade em tais relações, a exemplo dos portadores de deficiência.
2. Embora as suas disposições específicas sejam voltadas à proteção da mulher, não é correto afirmar que o apenamento mais gravoso dado ao delito previsto no § 9º do artigo 129 do Código Penal seja aplicado apenas para vítimas de tal gênero pelo simples fato desta alteração ter se dado pela Lei Maria da Penha, mormente porque observada a pertinência temática e a adequação da espécie normativa modificadora.
3. Se a circunstância da conduta ser praticada contra ascendente qualifica o delito de lesões corporais, fica excluída a incidência da norma contida no artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal, dotada de caráter subsidiário.
4. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 07 de agosto de 2012. (Data do Julgamento).
MINISTRO JORGE MUSSI
Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por J.I.S.V., contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro por meio do qual denegou a ordem no HC n. 8022/09.
Noticiam os autos que o recorrente foi denunciado pelo representante do parquet estadual como incurso nas sanções do artigo 129, § 9º, do Código Penal, pois teria empurrado o seu genitor que, com a queda, sofreu lesões corporais descritas no laudo pericial acostado aos autos.
Sustenta o patrono do recorrente que a exordial acusatória seria inepta, em razão da errônea capitulação jurídica dada aos fatos ali narrados.
Assere que a atual redação do § 9º do artigo 129 do Estatuto Repressor tem origem na Lei n. 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, a qual teria por escopo tutelar a violência perpetrada apenas contra a mulher. Por tal razão, a referida norma não poderia ser aplicada no caso, pois a suposta agressão teria sido praticada contra um homem.
Defende que antes da citada alteração legislativa, a violência doméstica era considerada crime de menor potencial ofensivo, passível de transação penal, razão pela qual a incidência da reforma introduzida pela Lei Maria da Penha deveria se restringir apenas aos casos de agressão praticada contra mulher.
Afirma, portanto, que o Ministério Público deveria ter denunciado o recorrente como incurso nas sanções do artigo 129, caput, combinado com o artigo 61, inciso II, alínea “e”, ambos do Código Penal, circunstância que evidenciaria a incompetência do magistrado de primeira instância.
Pretende que o recurso seja provido para que se reconheça a alegada inépcia da denúncia, determinando-se o trancamento da ação penal ou, subsidiariamente, para que se opere a desclassificação do delito atribuído ao recorrente, declarando-se a incompetência do juízo processante.
Contra-arrazoada a insurgência, os autos ascenderam a esta Corte Superior de Justiça, tendo o Ministério Público Federal, por meio do parecer acostado às fls. 91/94, opinado pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Neste recurso ordinário em habeas corpus se insurge o recorrente contra a capitulação jurídica dada aos fatos narrados na denúncia pelo Ministério Público, o que lhe estaria ocasionando um constrangimento ilegal, já que a atual classificação não admite o instituto da transação penal.
Para tanto, assere, em síntese, que a norma contida no § 9º do artigo 129 do Código Penal, na atual redação dada pela Lei n. 11.340/06, não poderia ser aplicada à hipótese em apreço, cuja suposta vítima seria um homem, já que o referido diploma alterador seria destinado apenas à tutela da violência contra a mulher.
Sugere, ainda, que a correta definição do fato narrado na exordial acusatória seria o delito de lesão corporal simples, com a incidência da agravante genérica prevista no artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal.
Por oportuno, transcreve-se os termos da incoativa:
“No dia 14 de outubro de 2008, por volta das 19 horas, no interior da padaria x, situada na x, bairro Paraíso, nesta Comarca, o Denunciado , com vontade libre e consciente e assumindo o risco de ferir, munido de uma barra de ferro empurrou x, seu pai, que caiu, vindo a sofrer as lesões descritas no AECD de fl. 15.
Estando, assim, incurso(s) nas sanções do(s) artigo(s) 129, § 9º do Código Penal.” (fl. 14.)
Na cota ministerial, a Promotora de Justiça denunciante salientou, ainda, que não seriam aplicáveis ao caso em tela “as disposições contidas na Lei n. 11.340/06, eis que aquela só deve incidir nas hipóteses de violência contra a mulher , sendo certo que na hipótese ventilada nos autos a vítima do crime é homem.” (fl. 13.)
Não obstante os interessantes argumentos lançados nas razões recursais, a insurgência não comporta provimento.
Impende pontuar, inicialmente, que a eiva discutida no presente recurso se restringe ao alegado erro na capitulação jurídica dos fatos, e não em eventual vício de elaboração legislativa da norma que alterou a redação do § 9º do artigo 129 do Código Penal.
Com efeito, não obstante a Lei n. 11.340/06 tenha sido editada com o escopo de tutelar com mais rigor a violência perpetrada contra a mulher no âmbito doméstico, não se verifica qualquer irregularidade no acréscimo de pena operado pelo legislador ordinário no preceito secundário do § 9º do artigo 129 do Código Penal.
Na verdade, o referido diploma alterador foi introduzido no ordenamento jurídico para tutelar as desigualdades encontradas nas relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, e embora tenha dado enfoque à mulher, na maioria das vezes em desvantagem física frente ao homem, não se esqueceu dos demais agentes destas relações que também se encontram em situação de vulnerabilidade, como os portadores de deficiência, a exemplo do § 11 do artigo 129 do Código Penal, também alterado pela Lei n. 11.340/06.
Assim, embora as suas disposições específicas sejam voltadas à mulher, não é correto afirmar que o apenamento mais gravoso dado ao delito de lesões corporais praticado no âmbito das relações domésticas seria aplicável apenas quando a vítima fosse de tal gênero, pelo simples fato desta alteração ter se dado pela Lei n. 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, mormente porque observada a pertinência temática e a adequação da espécie normativa modificadora.
Afigurando-se formal e materialmente constitucional a alteração legislativa, correta a interpretação dada ao caso pelo órgão acusatório, tendo em vista que os fatos narrados na denúncia se amoldam à descrição abstrata contida no artigo 129, § 9º, do Código Penal, já que o recorrente teria praticado lesões corporais no seu genitor.
Cabe ressaltar, como bem observado pelo parquet estadual, que embora o aludido dispositivo legal tenha sido alterado pela Lei Maria da Penha, os seus institutos peculiares não são aplicáveis na hipótese, que não trata de violência contra a mulher.
E se a lesão praticada contra ascendente qualifica o delito de lesões corporais, fica excluída, portanto, a incidência da norma contida no artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal, dotada de caráter subsidiário, característica, aliás, expressamente consignada no seu dispositivo, in verbis :
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
(…)
II – ter o agente cometido o crime:
(…)
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; (grifo do Relator)
Irretocável, portanto, a conclusão exposta pelo Tribunal de origem no acórdão objurgado:
“Ocorre que a mulher, além do artigo 129 parágrafos 9º, 10 e 11 do CP, conta com uma ferramenta a mais, que é a Lei nº 11.340/2006, denominada Lei ‘Maria da Penha’. Diante do exposto, a não aplicação da Lei 11.340/06 ao presente caso, por ser a vítima homem, conforme estatuído pelo representante do Parquet , não configura qualquer constrangimento ilegal, visto que está em consonância com a legislação em vigor.” (fl. 53.)
Não se constatando nenhum constrangimento ilegal passível de ser remediado em sede de habeas corpus, nega-se provimento ao recurso.
É o voto.

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