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Robert Spitzer, visto como um dos ‘pais’ da ‘Bíblia’ da psiquiatria, derrubou o mito de que homossexualidade seria doença. Imagem: Foto/Reprodução (BBC) |
No dia 15 de setembro deste ano, na 14ª vara federal da seção judiciária do DF, o Juiz Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu uma liminar de 05 laudas de uma Ação Popular que causou muito rebuliço na internet.
O caso foi noticiado inferindo que o Juiz autorizou a chamada cura gay.
Vocês podem conferir a decisão na íntegra clicando aqui. Peço que façam isso, até mesmo para compreender os detalhes que serão citados aqui.
Vamos conferir a decisão e tirarmos nossas conclusões? Partiu.
1. Sobre o que versa a problemática do processo?
Trata-se de uma Ação Popular que tem um objetivo muito bem definido: Suspender os efeitos de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
O argumento utilizado pelos autores da ACP consiste na alegação de que essa tal resolução limita a liberdade científica de pesquisa sobre práticas homoeróticas, configurando, desta forma, ofensa ao Art. 5º, IX, da Constituição Federal de 88.
Esse inciso IX do Art. 5º da CRFB/88 tem a seguinte redação:
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
A resolução do Conselho Federal de Psicologia atacada é a res. 001/1999 que você pode conferir aqui.
Quatro artigos dessa resolução ocupam o centro da discussão. É muito importante citar todos aqui. Confira:
Art. 1° – Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade.
Art. 2° – Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.
Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
Desejando supostamente aprofundar os estudos acerca da orientação e reorientação sexual, os autores informaram encontrar na resolução uma vedação a esses estudos. Por isso pediram sua suspensão.
2. A relação homoafetiva é abordada como doença? O que os autores da polêmica Ação Popular querem? O objetivo é encontrar a “cura gay”?
O primeiro e polêmico ponto reside no fato de saber se os autores tratam ou não a homossexualidade como doença.
Antes de conceder a liminar, o magistrado acertadamente realizou audiência de justificação prévia para sanar algumas dúvidas acerca do objetivo dos autores da ação.
Para isso, foram feitas três peguntas:
- Pretendem os autores divulgar ou propor terapia tendentes à reorientação sexual?
- Os autores estão impedidos ou foram impedidos pelo CFP por prestarem suporte psicológico, ainda que solicitados de forma reservada, às pessoas desejosas de uma reorientação sexual?
- No campo científico da sexualidade, em especial no que diz respeito ao comportamento ou às práticas homoeróticas, o que se permite ao psicólogo estudar ou clinicar sem contrariar a resolução n. 001/1999 do CFP?
A partir dessas perguntas, foram fixadas as seguintes premissas como resposta
- Segundo posicionamento da Organização Mundial de Saúde (1990), a homossexualidade constitui uma variação natural da sexualidade humana, não podendo ser, portanto, considerada como condição patológica.
- Homossexualidade não é doença, mas sim orientação sexual. Os autores não defendem a ideia do polêmico PL 4931, de autoria do deputado federal Ezequiel Teixeira (PTN-RJ), denominado “cura gay”, pois ele é passível de críticas na medida em que equipara a homossexualidade a transtornos de sexualidade.
- Sendo a psicologia uma ciência da saúde, constitui dever de todo psicólogo inscrito no CFP aprimorar-se profissionalmente, envidando esforços na promoção da qualidade de vida das pessoas e das coletividades, baseando seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano. Deve buscar também eliminar quaisquer formas de discriminação , exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos dos princípios fundamentais fixados pelo Código de Ética Profissional e regulamentados pela resolução CFP n. 10/2005.
- Já em seu preâmbulo, a Constituição Republicana de 1988 começa por estabelecer uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos; elencando como um de seus objetivos fundamentais a promoção do bem-estar de todos, sem preconceito de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3, IV), além de garantir a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (Art. 5, IX).
Dessa forma, facilmente chegamos às respostas de nossas perguntas do tópico:
A relação homoafetiva não é abordada como doença e os autores não tem respaldo jurídico ou científico para aplicar a cura gay. O objetivo deve ser aprofundar os estudos na área. E isso a resolução não impede. A não ser que parta-se da premissa de que homossexualidade é condição patológica.
3. Eventuais nuances problemáticas da decisão
Passaremos agora à análise de alguns argumentos da decisão e seus eventuais problemas.
Lembramos que o objetivo é apenas discutir de forma pacífica no campo das ideias.
Não se pretende usar desse espaço para denegrir nenhuma das partes envolvidas na ação.
O objetivo desse artigo é única e exclusivamente didático.
Colocaremos os argumentos em itálico e em seguida nossos comentários.
Conforme se pode ver, a norma em questão, em linhas gerais, não ofende os princípios maiores da Constituição. Apenas alguns de seus dispositivos, quando e se mal interpretados, podem levar à equivocada hermenêutica no sentido de se considerar vedado ao psicólogo realizar qualquer estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual.
Perfeito. A resolução não ofende mesmo os princípios constitucionais. Apenas uma hermenêutica muito equivocada seria capaz de inferir que a resolução atacada impede todo e qualquer estudo relacionado à orientação e reorientação sexual.
Vamos lembrar quais são as vedações explícitas na resolução? São aquelas que você leu nos quatro artigos que citamos lá no começo do texto. Em resumo:
A) A atuação do psicólogo deve ser sempre ética evitando atos discriminatórios (Art. 1º):
B) É vedado estigmatizar a prática homoerótica
C) É vedado tratar a homossexualidade como patologia, assim como fornecer tratamento coercitivo (forçado) quanto à orientação homossexual
D) Não é permitido fornecer tratamento tendente à cura da homossexualidade (nem precisava dessa regra, se não tratamos a homossexualidade como doença, como iremos propor cura?)
E) É vedado pronunciamento de profissional da psicologia no sentido de tratar a homossexualidade como transtorno psíquico.
Essas vedações encontram perfeita aderência aos preceitos constitucionais, especialmente o Art. 3º, IV, da CRFB/88, que determina o combate à discriminação e ao preconceito sexual concedendo a elas o status de objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. Objetivo esse que, infelizmente, possui reduzido teor de concretude, como sabiamente ensina Carlos Ayres Britto[1].
Nenhuma dessas vedações encontrou ofensa nas premissas da liminar concedida pelo juízo.
Pelo contrário, foi endossado o fato de que homossexualidade não é doença[2] e, portanto, não se deve buscar a cura dela, mas sim um estudo mais detalhado visando compreendê-la melhor no âmbito científico.
Um ponto temerário deste argumento reside na omissão do juízo quanto à abordagem acerca de quais seriam os citados dispositivos legais da Res. nº 001/1999
Vamos ao próximo argumento.
Digo isso porque a Constituição, por meio dos já citados princípios constitucionais, garante a liberdade científica bem como a plena realização da dignidade da pessoa humana, inclusive sob o aspecto de sua sexualidade, valores esses que não podem ser desrespeitados por um ato normativo infraconstitucional, no caso, uma resolução editada pelo C.F.P.
Mais uma vez perfeito. É isso mesmo! Norma legal alguma pode desobedecer os princípios Constitucionais. Seja essa norma lei ou ato normativo.
A questão é: Em que trecho da resolução 001/1999 do CFP há ofensa à dignidade da pessoa humana e à liberdade científica? Não seria o contrário?
Veja bem, em trecho algum da resolução há impedimento quanto ao estudo da homossexualidade, bem como o atendimento a paciente homossexual. Inclusive há várias pesquisas brasileiras disponíveis na área. A resolução é objetiva em vedar a disseminação de preconceito, estigma e patologização dessa orientação sexual. Além de vedar também o tratamento forçado. E isso a Constituição também veda, conforme já vimos.
Essas vedações são um nítido exemplo de respeito à dignidade de pessoa humana. O indivíduo homossexual é protegido do ostracismo e “pejorativismo” de sua condição. A resolução não impede a realização de estudos eminentemente científicos.
O problema, no caso, existiria na premissa de que homossexualidade é uma doença. Acontece que a premissa da decisão que apreciou o pedido da suspensão da resolução 001/1999 já parte da ideia de que ser homossexual não é sinônimo de ser doente.
Objetiva-se estudar a homossexualidade, não “patologizá-la”. E esse desejo está plenamente de acordo com os preceitos da resolução atacada.
Assim, a fim de interpretar a citada regra em conformidade com a Constituição, a melhor hermenêutica a ser conferida àquela resolução deve ser aquela no sentido de não privar o psicólogo de estudar ou atender àqueles que, voluntariamente, venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura, preconceito ou discriminação. Até porque o tema é complexo e exige o aprofundamento científico necessário.
Excelente! É exatamente por esse caminho que a resolução caminha! Se na resolução há vedação de preconceito e discriminação, bem como de tratamento forçado, assim como a vedação ao tratamento do homossexual como doente mental, decorrência lógica é a possibilidade de acompanhamento voluntário quanto à orientação sexual de qualquer indivíduo, seja ele hétero ou homossexual.
Até mesmo para ajudá-lo a conhecer melhor seu corpo e sua orientação. A resolução não impede o gay ou hétero de usar dos serviços do profissional de psicologia para se entender melhor, a vedação é quanto ao tratamento deles como doentes apenas pelo fator orientação sexual.
O tema realmente é complexo e exige aprofundamento científico e a resolução não impõe óbice a isso.
Neste trecho o julgador trouxe a técnica de interpretação conforme a Constituição. Do ponto de vista didático[3], uma boa maneira de ordenar o tema é considerar a interpretação conforme a Constituição como um gênero que comporta as seguintes modalidades de atuação do intérprete:
(i) a leitura da norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais a ela subjacentes; (ii) a declaração de não incidência da norma a uma determinada situação de fato; ou (iii) a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, que consiste na exclusão de uma determinada interpretação possível da norma — geralmente a mais óbvia — e na afirmação de uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição.
Verifica-se que a interpretação dada caminhou pelas duas espécies: Tanto para dar uma leitura adequada da resolução à luz da Constituição quando para declarar a não incidência da resolução (pressupondo existir dispositivo de censura) para o caso de paciente que procure apoio psicológico quanto à sua orientação sexual.
Acontece que não há dispositivo de censura ao atendimento de paciente que procure apoio quanto à sua orientação, tampouco dispositivo vedando o estudo da orientação sexual no campo da psicologia.
Logo no primeiro Artigo da resolução, o Art. 1º, é conferido ao psicólogo o dever de proporcionar bem-estar ao paciente, o que naturalmente implica no apoio à sua orientação sexual e/ou auxílio à sua melhor compreensão.
A resolução caminha de mãos dadas ao dever tanto da não-privação de atendimento quanto do estudo da orientação sexual para poder, assim, proporcionar de fato bem-estar ao indivíduo.
Portanto, a hermenêutica empregada é exatamente a mesma que poderia ser extraída da mera interpretação literal do diploma resolutivo. Exatamente por isso, por interpretar de forma completa o texto legal, registre-se a nobre aplicação hermeneuta usada neste trecho, que foi além do debate vago da literalidade da lei, problemática muito criticada pela doutrina dos mais respeitados intérpretes do direito [4].
Porém, vedar qualquer tipo de regulamentação por parte do CFP implica em dar azo à velha premissa de que a homossexualidade pode ser considerada doença. E que um indivíduo pode fazer uso de atendimento psicológico para curar-se dessa “doença”. Implicação essa que fere de morte a literatura médica acerca do tema, retrocedendo preceitos básicos na temática da orientação sexual.
O mais preocupante é como a lacuna que pode se abrir diante da possibilidade de inferir condição patológica à homossexualidade será preenchida. As ferramentas não chegaram sequer a serem cogitadas na discussão, sendo que nessa mesma discussão o consenso científico está sendo desconsiderado (está sendo vedada qualquer censura ao atendimento psicológico, inclusive a vedação ao tratamento patológico do homossexual).
Neste sentido[5]:
O conhecimento científico nunca é absolutamente seguro, estabelecido de uma vez por todas. Ele está permanentemente exposto a possível evidência experimental contrária, que obrigue os cientistas a rejeitarem ou, ao menos, ajustarem suas teorias. Isso desfaz a idéia de infalibilidade usualmente associada à ciência. Mas tal constatação não deve levar ao erro oposto, de desqualificar o conhecimento científico, igualando-o a formas menos sistemáticas e cuidadosas de obtenção de conhecimento.
Percebe-se, assim, que o deságue de todo o traquejo hermenêutico acaba por prejudicar o mínimo do mínimo dos direitos fundamentais, especialmente a dignidade da pessoa humana e a vedação ao retrocesso. O mais paradoxo disso é que o argumento autorizativo visa, supostamente, edificar esses direitos essenciais.
Por todo o exposto, vislumbro a presença dos pressupostos necessários à concessão parcial da liminar vindicada, visto que a aparência do bom direito resta evidenciada pela interpretação dada à Resolução 001/1999 pelo CFP, no sentido de proibir o aprofundamento dos estudos científicos relacionados à (re)orientação sexual, afetando, assim, a liberdade científica do País e, por consequência, o seu patrimônio cultural, na medida em que impede e inviabiliza a investigação de aspecto importantíssimo da psicologia, qual seja, a sexualidade humana. O perigo da demora também se faz presente, uma vez que, não obstante o ato impugnado datar da década de 90, os autores encontram-se impedidos de clinicar ou promover estudos científicos acerca da (re)orientação sexual, o que afeta sobremaneira os eventuais interessados nesse tipo de assistência psicológica.
Nesse argumento há apenas um reforço à liberdade de pesquisa científica acerca do tema (re)orientação sexual.
A interpretação dada é no sentido de não deixar dúvidas quanto à impossibilidade de uma resolução proibir um pesquisador de escolher de um determinado campo de pesquisa, nesse caso o campo da homossexualidade.
Incide que há na resolução manifestação diversa.
Quando incentiva-se o combate ao estigma e preconceito, justamente através de estudos aprofundados – capazes de evidenciar novas descobertas e novos conhecimentos – é que o mal da ignorância é combatido. A resolução não proíbe essa prática, muito pelo contrário.
O que o magistrado fez foi interpretar a resolução conforme os preceitos fundamentais. Não havia nem necessidade disso.
O que o juiz determinou é justamente o que a resolução propõe. Ele não está discordando dela, muito pelo contrário, está dando maior efetividade.
Tudo caminhava tranquilamente para uma improcedência do pedido. Toda a argumentação levava a crer isso. A resolução está totalmente de acordo com a proteção dos direitos fundamentais. Mas, o improvável aconteceu, o pleito não foi improvido e nem a resolução foi suspensa, ao menos diretamente.
4. Onde está o problema?
É a pergunta que fazemos neste momento. A resolução não proíbe a prática de pesquisa científica e acompanhamento psicológico voluntário dentro da abordagem da orientação sexual.
A conclusão da decisão do magistrado foi em não suspender os efeitos da resolução.
Mas, ao mesmo tempo, determinou a vedação de qualquer espécie de censura ou licença prévia aos profissionais da psicologia quanto ao atendimento reservado – nisso compreendidos não apenas a pesquisa, mas o atendimento clínico-psicológico – no âmbito da (re)orientação sexual.
Agindo dessa forma, podemos concluir que houve uma suspensão indireta da eficácia da resolução.
Além disso, a interpretação esbarra num erro básico: Não há direito absoluto.
Quando impõe-se a exclusão de qualquer forma de censura (e a resolução pode implicar em censura, no entanto com fundamento constitucional, pois defende o combate ao preconceito e patologização), abre-se o caminho para que o pesquisador descumpra os preceitos básicos não apenas contidos na resolução impugnada, mas também os da própria Constituição Federal. Afinal, a resolução está alinhada de forma harmônica com os preceitos de nossa Carta Magna de 1988.
Descumprir preceitos básicos pode ser entendido como: Desenvolvimento de teses e tratamentos para curar homossexuais, patologização da orientação homossexual, estigmatização dessa condição e dos indivíduos, entre outras ações.
Questão muito interessante diz respeito aos motivos e fundamentos que os autores trouxeram nessa peça para pedir a suspensão da resolução.
No caso da liminar, o foco da tese autoral está na liberdade científica.
Porém, a resolução não vai de encontro à essa liberdade, pelo contrário! É através da pesquisa que se combate o senso comum que gravita na órbita das relações homossexuais. Senso comum esse veementemente repelido na própria resolução.
Concluímos, à primeira vista, que não observar a resolução implica em não observância da própria lógica constitucional. Uma vez que tanto a liberdade científica quando a dignidade da pessoa humana são devidamente respeitadas e exigidas como conduta profissional de todos os psicólogos.
Os argumentos do ilustre juízo não combatem a resolução, pelo contrário – e a não suspensão atesta que o juiz não está contra a resolução – a despeito de afastá-la indiretamente quando exclui qualquer vedação à pesquisa e atendimento clínico a pacientes que procurem ajuda quanto à sua orientação sexual.
Esse é ponto obscuro da decisão, é aqui que o X da questão mora.
Por que afastar indiretamente a incidência de uma norma que se reconhece constitucional?
A ponderação realizada aqui tem de um lado a liberdade científica e de outro a dignidade da pessoa humana. Valores caríssimos para o Estado democrático de Direito.
Acontece que, a nosso ver, a resolução não ofende nem uma coisa, nem outra.
Assim sendo, fica difícil entender o porquê de alguém pedir a inaplicabilidade de uma resolução usando argumentos que não contrariam a mesma resolução, mas sim ratificam-na.
Logo, não dá pra cogitar outra possibilidade, quanto ao pedido autoral, senão o pedido de suspensão decorrente do desejo de descumprir as medidas do Conselho Federal de Psicologia, o que implica, agora sim, necessariamente, em aceitar o fato de que existe a cura gay.
E esse comportamento pode ser auferido à parte autora, jamais ao juízo, que a todo momento mostrou-se preocupado com a vertente constitucional do problema, jamais com a prática de qualquer tipo de ação medicamentosa quanto ao tratamento de algo que a ciência já comprovou não padecer de estado patológico.
Pesada conclusão não poderia ser feita apenas com essas informações. Fomos pesquisar mais acerca dos autores da Ação Popular.
Entre os autores encontra-se Rozângela Alves Justino, psicóloga carioca. Rozângela é adepta da chamada terapia da reversão sexual. E foi justamente essa temática que deu início ao problema que gerou a Ação Popular que está em sua fase inicial.
Há mais de 20 anos Rozângela apoia o “tratamento” de pessoas que, de acordo com ela – conforme você pode atestar assistindo a esse vídeo (o vídeo foi excluído, colocamos no drive do blog, por favor não denuncie, é apenas para informar, clique aqui)- desejam mudar sua orientação sexual. Ainda de acordo com a autora, todo o auxílio psicológico para os doentes é feito de forma voluntária. Ninguém é forçado a nada.
Logo, está explicado o motivo da impugnação à resolução 001/1999 do Conselho Federal de Psicologia.
Os autores não apenas acreditam na famigerada cura gay como vinham desenvolvendo tratamentos com esse objetivo.
Assim, encontraram uma barreira na resolução do CFP, que – embasado no consenso científico – não vê a homossexualidade como doença e, portanto, não possibilita atendimento clínico-psicológico para “curá-la” e sim para compreendê-la.
E era exatamente isso que os autores faziam e pretendem dar prosseguimento. Em que pese não forçarem ninguém à submissão do suposto “tratamento”, eles partem de uma premissa que é diametralmente oposta do consenso científico usado pelo CFP: Homossexualidade é uma doença.
Mesmo diante do fato do consenso científico afirmar que não é.
E ai está o problema.
Voltemos ao teor da decisão.
5. Problemas da decisão no campo da coerência
Vamos separar esse tópico aqui para apontar de forma bem direta os problemas da decisão, especialmente no campo da coerência.
A determinação de que […] “A resolução não deve privar o psicólogo de atender aqueles que, voluntariamente, venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura, preconceito e discriminação” parte de uma premissa que não existe!
Em lugar algum da resolução há vedação a esse atendimento e acolhimento, pelo contrário. É bastante recomendável o acompanhamento psicológico do homem ou da mulher que deseja conhecer a si mesmo no campo da sexualidade.
O que é vedado é o tratamento desse indivíduo como doente! Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Assim sendo, combater a resolução é desejar partir de uma via oposta, qual seja, homossexualidade é doença e carece de tratamento voluntário, inclusive reversão, que seria a busca pelo retorno do estado “normal”.
Ocorre que a própria essência da teoria da terapia de reversão não se sustenta. O próprio entusiasta do procedimento, anos depois, veio a público desculpar-se pelo ocorrido[6], admitindo a ausência de qualquer rigor científico na citada “terapia de reversão”:
Alguns profissionais, baseados em Freud, continuaram acreditando ser viável submeter @ homossexual a uma terapia de ‘reversão’ ou ‘cura’. Para aumentar a polêmica, em 2001, Dr. Spitzer, renomado psiquiatra, e um dos responsáveis pela retirada da homossexualidade da lista de doenças, publicou um estudo no qual demonstrava que esta ‘terapia reparadora’ poderia produzir uma mudança de comportamento. Trabalho que surpreendeu ao meio científico, que o achou falho, além de moralmente errado. Apesar disso, acabou sendo interpretado e usado por muitos, dentro e fora do meio científico, para a defesa da chamada ‘terapia de reversão ou cura’, e ainda servindo de argumento contra os direitos homossexuais.
Porém, em 2012 a Organização Mundial de Saúde se pronunciou considerando a terapia de reversão uma séria ameaça à saúde e bem-estar, até mesmo à vida das pessoas afetadas. E, mais uma vez, surpreendendo a todos, o Dr. Spitzer, também em 2012, publicou uma carta, na mesma revista em que havia publicado o trabalho, considerando o seu trabalho, anteriormente publicado, falho e sem rigor científico. Segundo ele, embora os dados ali estivessem, foram interpretados erroneamente. “É o único arrependimento que tenho; o único profissional. […] Eu acredito que devo desculpas à comunidade gay”[7]
Outra premissa temerária pode ser encontrada no seguinte trecho:
A interpretação dada à Resolução 001/1999 pelo CFP, no sentido de proibir o aprofundamento dos estudos científicos relacionados à (re)orientação sexual, afetando, assim, a liberdade científica do País e, por consequência, o seu patrimônio cultural, na medida em que impede e inviabiliza a investigação de aspecto importantíssimo da psicologia, qual seja, a sexualidade humana.
O art. 2º é suficiente pra mostrar o oposto, ou seja, o que se busca é a ampliação do conhecimento acerca da temática, superando tabus e o senso comum de outrora. Senão vejamos:
Art. 2° – Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.
Para extirpar o preconceito, discriminação e contribuir com conhecimento científico é necessário justamente o que? Muito estudo, aprofundamento na temática e embasamento teórico. A liberdade científica é conclamada pela resolução, não o contrário.
Não há proibição do conhecimento, mas sim um dever – termo expresso no dispositivo legal citado – do psicólogo contribuir com o conhecimento. A investigação é fomentada, não vedada.
A premissa decisória mais uma vez ataca um problema que não existe na norma objeto de apreciação e sequer explica quais os fundamentos para inferir de forma diversa.
Por fim, o último e mais importante trecho dispositivo da decisão:
Sendo assim, defiro a liminar em partes para, sem suspender os efeitos da resolução nº 001/1990, determinar ao Conselho Federal de Psicologia que não a interprete de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia por parte da CFP, em razão do disposto no art. 5º, inciso IX, da Constituição de 1988.
Observem o ponto de contradição neste trecho: Em nome da liberdade científica, do direito ao conhecimento, da livre pesquisa e do melhor interesse do indivíduo foi vedado a um Conselho Profissional a intervenção mediante uma resolução, cujo conteúdo é fruto justamente da mesma liberdade científica, que extinguiu academicamente o termo homossexualismo, do direito ao conhecimento que deságua no fato de não mais tratar o homossexual como doente, do melhor interesse do indivíduo que desde já merece ser acompanhado psicologicamente para ser orientado e não curado, uma vez que não se trata de patologia.
A liberdade científica encontra limite em si mesma. O que já fora descoberto serve de pilar básico para a manutenção da evolução do conhecimento científico. A não ser que utilize-se meios científicos hábeis a constatar que a premissa anterior padece de confiabilidade.
O que não é o caso, aliás, é exatamente o contrário. O meio que se quer dar espaço em detrimento de outro é justamente um que seu próprio difusor desculpou-se publicamente atestando pobreza científica para sua sustentação de “cura”.
Em outro sentido, a promoção de estudo e atendimento profissional – por parte de psicólogos – quanto ao indivíduo homossexual não é vedada pelo conselho e nem consequentemente pela resolução dele.
O que é vedado é tratar o indivíduo como doente, mas sim como alguém que necessita dos cuidados psicológicos para compreender melhor a sua condição sexual.
Quando obriga-se a omissão do CFP de intervir por meio de suas resoluções no caso concreto, abre-se a porta para o tratamento popularmente conhecido como cura gay. Afinal, nem os estudos e nem o avanço percorrido até aqui poderiam ser usados pra evitar que reinventem a roda da discussão do caráter patológico dos homossexuais. Um verdadeiro contrassenso. A resolução foi suspensa por uma decisão que não a suspende de forma direta.
Percebe-se que, dessa forma, mesmo que, a priori, não tenha sido essa a intenção do eminente juízo, abre-se um silogismo[9] que abre alas para a tese da cura gay passar, ante a ausência de qualquer possibilidade de controle do conselho federal para com os profissionais a ele vinculados e, principalmente, a inaplicabilidade da resolução que rechaça o caráter patológico da homossexualidade.
Portanto, conceder caráter absoluto à liberdade científica, no presente caso, na tentativa de robustecê-la, é um ato que causa efeito justamente contrário.
[1] Nesse ritmo argumentativo, e somente para tomar de empréstimo o discurso da Constituição de 1988, é de se pôr em realce a marcante atualidade do que ele tem como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a saber: “[…] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Nada obstante, o que se tem ao rés-do-chão ou no plano dos fatos? Tem-se que na Terra Brasilis o humanismo persiste como um ideal de reduzido teor de concretude democrática. Pois inquestionável é que pelas bandas de cá prosseguem de extrema gravidade os descompassos sócio-regionais; o subemprego; a incipiente educação ambiental do povo e até dos governantes e os mais atávicos preconceitos. In: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria Constitucional. Belo Horizonte: FÓRUM, 2012, pgs. 46-47.[2] Em 1979, a Associação Americana de Psiquiatria finalmente tirou a homossexualidade de sua lista oficial de doenças mentais. Foi, então, em 1990 que a Organização Mundial de Saúde desclassificou a homossexualidade como doença, seguindo um movimento mundial, já que os Conselhos Federais de medicina e Psicologia, já passaram a desconsiderar a homossexualidade do rol de patologias. Em 2004, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos invalidou todas as leis estaduais que ainda proibiam a sodomia. In: POZZETI, Valmir César; VENTURA, Alichelly Carina Macedo. O DIREITO DE SER EU MESMO: OS DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL E INTERNACIONAL. XXIII CONPEDI. A HUMANIZAÇÃO DO DIREITO E A HORIZONTALIZAÇÃO DA JUSTIÇA NO SÉCULO XXI. Universidade Federal da Paraíba / UFPB / João Pessoa – PB.[3] BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2016.[4] […] é importante lembrar que essa discussão acerca da “literalidade” tem relação com o velho debate entre “lei” e “direito”, “texto” e “norma” (na contemporaneidade). Na verdade, os juristas em geral costumam se apegar à literalidade quando esta lhes é “útil”. Logo, a discussão é meramente retórica. Ora, é irrelevante discutirmos a “literalidade”, até porque esbarraríamos na seguinte questão: devemos sempre buscar o conteúdo “literal”? Ou somente quando nos interessa? E o que é isto – a literalidade? O que é isto – o texto jurídico? Em face da vagueza e da ambiguidade que cerca a linguagem, de que modo é possível sustentar o discurso jurídico numa pretensa literalidade? Somente poderemos discutir “literalidades” se estivermos conscientes da situação hermenêutica que ocupamos: o constitucionalismo do Estado Democrático de Direito. E nos lembrarmos que a discussão sintático-semântica ficou para trás. In: STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. . 11. ed. rev., atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.[5] CHIBENI, Silvio Seno. Tópicos introdutórios sobre filosofia da ciência. Departamento de Filosofia, Unicamp. Disponível em <http://www.unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/limitesconhecimentocientifico.htm> [6] Dr. Robert L. Spitzer, Noted Psychiatrist, Apologizes for Study on Gay cure.
[8] Nesse ponto, sequer as normas definidoras de direitos fundamentais com aplicabilidade imediata, ou seja, as normas constitucionais de eficácia plena, escapam como exceção. Como exemplos [..] temos a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (art.5º, X), em que a Constituição não remeteu expressamente a uma regulamentação legal, mas que nem por isso, como já explicitado, constituem hipóteses de direitos absolutos, no sentido de insuscetíveis de qualquer intervenção restritiva. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.
[9] O que ganhamos ao transformar num silogismo, que pode redundar numa contradição, uma argumentação não coerciva, mas que permite justificar com boas razões uma opinião plausível, a não ser a satisfação bastante pueril de demonstrar que é possível reduzir ao mesmo esquema silogístico todos os argumentos, quaisquer que sejam? O raciocínio dialético, o argumento que justifica pelos seus atos a qualidade atribuída ao agente, argumento sujeito a controvérsias, não foi transformado unicamente por causa de sua forma em um silogismo analítico, que escapa a qualquer discussão: ao contrário, a premissa acrescentada, por sua generalidade e rigidez, leva a uma conclusão contraditória um argumento que não é desprovido de valor quando manejado com prudência. IN: PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica; tradução de Verginia K. Pupi. – São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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