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Caiu na prova

Teorias interna e externa dos direitos fundamentais

Henrique Araujo
Escrito por Henrique Araujo em maio 14, 2025
Teorias interna e externa dos direitos fundamentais
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A aplicação concreta dos direitos fundamentais representa um dos pontos mais delicados e recorrentes do exercício jurisdicional em um Estado Constitucional. Desde a promulgação da Constituição de 1988, que consagra um extenso rol de direitos individuais, sociais e coletivos, os tribunais brasileiros vêm sendo constantemente chamados a decidir como e em que medida esses direitos se aplicam diante de outros valores igualmente constitucionais.

Esse tema foi objeto de cobrança na prova discursiva do concurso para juiz substituto do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, realizada em 2023. Na ocasião, os candidatos foram instados a refletir se os direitos fundamentais geram posições jurídicas absolutas, também chamadas de definitivas, ou se produzem posições jurídicas apenas prima facie, ou seja, passíveis de restrição conforme as circunstâncias do caso concreto. O ponto central da discussão envolve a distinção entre as chamadas teorias interna e externa dos direitos fundamentais.

Mas afinal, o que significam essas teorias? Os direitos fundamentais constituem comandos incondicionados e inflexíveis, ou devem ser ponderados à luz de outros princípios e valores constitucionais? Neste artigo, exploraremos essas duas concepções, suas bases teóricas, implicações práticas e projeções na jurisprudência, oferecendo uma análise clara e atualizada sobre uma das questões mais relevantes da dogmática constitucional contemporânea.

A questão discursiva aplicada no concurso da magistratura capixaba tem o seguinte enunciado: Disserte sobre os direitos fundamentais, especificamente se dão ensejo ao surgimento de posições jurídicas definitivas ou prima facie, devendo a análise ser realizada na perspectiva das teorias interna e externa

1. Introdução: Os direitos fundamentais como normas jurídicas

Os direitos fundamentais, insculpidos nas constituições modernas — notadamente na Constituição Federal de 1988 —, são normas dotadas de eficácia jurídica plena, conforme consagrou o constitucionalismo contemporâneo. No entanto, seu conteúdo e sua forma de aplicação suscitam debates quanto ao grau de rigidez ou relatividade com que devem ser observados frente a outros valores constitucionais.

Neste cenário, a questão central é a seguinte: os direitos fundamentais impõem comandos definitivos e incondicionados, ou são suscetíveis de restrição, ponderação ou colisão com outros bens jurídicos constitucionais? É precisamente nesse ponto que se delineiam duas importantes abordagens teóricas: a teoria interna e a teoria externa dos direitos fundamentais.

2. A teoria interna: direitos como posições definitivas

Segundo a teoria interna, os direitos fundamentais são concebidos como posições jurídicas definitivas, cujos conteúdos são identificáveis a partir da própria estrutura interna do direito. Trata-se de uma concepção de inspiração kantiana, deontológica, na qual os direitos são entendidos como razões categóricas e vínculos fortes oponíveis ao Estado e a terceiros.

Autores vinculados a essa vertente — como Robert Alexy, na leitura de sua “primeira fase” — sustentam que os direitos fundamentais possuem um núcleo essencial inviolável, cuja proteção independe da ponderação com outros bens jurídicos. Nessa lógica, não se admitem limitações aos direitos quando isso implicaria sua aniquilação ou esvaziamento substancial.

Entretanto, mesmo nessa concepção, reconhece-se que alguns direitos podem sofrer restrições, mas apenas nos limites estritamente necessários para que outros direitos igualmente fundamentais sejam tutelados. Ou seja, admite-se uma convivência entre direitos apenas quando a restrição for internamente delimitada e racionalmente justificável à luz do próprio conteúdo do direito envolvido.

3. A teoria externa: direitos como razões prima facie

A teoria externa, por sua vez, entende que os direitos fundamentais não impõem comandos absolutos, mas sim razões prima facie, que devem ser ponderadas à luz do caso concreto frente a outros princípios constitucionais relevantes. É a abordagem mais relacional, contextual e consequencialista, amplamente difundida a partir da obra do próprio Robert Alexy em sua fase posterior (Teoria dos Direitos Fundamentais) e da teoria dos princípios.

Para Alexy, os direitos fundamentais são princípios jurídicos — normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas. Como tais, eles são suscetíveis de colidir entre si, sendo resolvidos mediante o método da ponderação, nos termos da conhecida lei da colisão de princípios.

Assim, a realização de um direito fundamental pode ser limitada sempre que, em confronto com outro direito ou bem jurídico de igual hierarquia constitucional, o juízo de proporcionalidade justificar a restrição. É por isso que se afirma que os direitos fundamentais, nessa ótica, não são absolutos, mas relativos, dependentes de uma análise contextual.

4. Consequências práticas da divergência

A adoção de uma ou outra teoria tem profundas implicações práticas:

  • A teoria interna tende a conferir maior rigidez à proteção dos direitos fundamentais, favorecendo a segurança jurídica e o controle de excessos estatais, mas pode se revelar inflexível em situações de conflito entre direitos.
  • A teoria externa, ao contrário, oferece maior flexibilidade e adaptabilidade ao caso concreto, mas corre o risco de esvaziar a força normativa dos direitos se a ponderação não for realizada com critérios objetivos e controláveis.

5. Considerações finais

Conclui-se que os direitos fundamentais, embora revestidos de primazia normativa, não são, em regra, posições absolutas, mas sim razões prima facie, que podem ser limitadas mediante critérios rigorosos de proporcionalidade — sobretudo quando entram em colisão com outros direitos de igual hierarquia.

A teoria externa representa a abordagem predominante no constitucionalismo contemporâneo, inclusive na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que recorrentemente emprega a técnica da ponderação na solução de conflitos entre direitos.

Contudo, isso não significa admitir relativização irrestrita, pois há situações em que o conteúdo de determinados direitos exige preservação integral (núcleo essencial), conforme previsão expressa no art. 5º, §2º, da Constituição da República e em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Proposta de resposta à questão discursiva

A controvérsia acerca da natureza das posições jurídicas asseguradas pelos direitos fundamentais diz respeito à sua configuração como posições definitivas ou posições prima facie. Essa distinção é relevante porque implica diferentes modos de aplicação e restrição dos direitos no ordenamento jurídico.

A teoria interna concebe os direitos fundamentais como posições definitivas, ou seja, confere ao titular um direito que se impõe de forma vinculante e excludente, resistindo a restrições que não estejam previamente estabelecidas na ordem constitucional. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais funcionam como limites ao legislador e ao aplicador do direito, e sua restrição somente é admissível nos casos expressamente previstos, sem margem para ponderação discricionária.

Por outro lado, a teoria externa concebe os direitos fundamentais como posições prima facie, isto é, como prerrogativas que se projetam com força normativa, mas que podem ceder em situações de colisão com outros direitos ou valores constitucionais, desde que observados critérios de proporcionalidade. Essa abordagem é associada à ideia de ponderação, especialmente nos moldes propostos por Robert Alexy, segundo a qual os direitos fundamentais não têm caráter absoluto, exigindo avaliação concreta das circunstâncias para determinar qual direito deve prevalecer.

No Brasil, prevalece a teoria externa, como se observa na jurisprudência do STF, que frequentemente recorre à técnica da ponderação para resolver colisões entre direitos fundamentais. Assim, os direitos fundamentais, embora dotados de aplicabilidade imediata, são considerados posições prima facie, sujeitas à restrição proporcional quando confrontados com outros valores constitucionais de igual hierarquia.

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