Por José Henrique Araújo dos Santos
Cassius Marcellus Clay Jr, posteriormente denominado Muhammad Ali por conta de sua conversão ao islã, desencarnou ontem aos 74 anos em decorrência de um longo round contra a doença de Parkison. Além de ser conhecido como um dos maiores boxeadores da história, ele também é por conta de sua participação em causas humanitárias. Em homenagem à essa lenda eternizada na história do boxe, separei 03 lições que nós, aspirantes do mundo jurídico, podemos aprender para colocarmos as luvas e irmos para o ring da vida.
Cassius Marcellus Clay Jr, posteriormente denominado Muhammad Ali por conta de sua conversão ao islã, desencarnou ontem aos 74 anos em decorrência de um longo round contra a doença de Parkison. Além de ser conhecido como um dos maiores boxeadores da história, ele também é por conta de sua participação em causas humanitárias. Em homenagem à essa lenda eternizada na história do boxe, separei 03 lições que nós, aspirantes do mundo jurídico, podemos aprender para colocarmos as luvas e irmos para o ring da vida.
1. “Voe como uma borboleta, ferroe como uma abelha”
Essa é uma das célebres frases que marcaram e eternizaram a carreira de Muhammad. Não é para menos, o contexto dela remonta um cenário que assombraria o mundo por conta da genialidade, inteligência e ousadia do até então Cassius diante do campeão Sonny Liston, vitória essa que concedeu a Cassius Clay o primeiro título de campeão mundial dos pesos pesados.
Apesar de ainda ser um esporte prestigiado, na época (meados da década de 70), o boxe era um verdadeiro esporte de multidões. De olho nesse imenso público, a imprensa entrevistava os aspirantes ao título mundial antes e depois da luta ser realizada. E foi numa dessas entrevistas que Muhammad mencionou a frase desse tópico.
Quase ninguém acreditava na possível vitória de Cassius Clay diante do campeão mundial Sonny Liston e os motivos eram óbvios. Cassius tinha apenas 22 anos e sua vitória nas olimpíadas 4 anos antes (medalha de ouro nos jogos olímpicos de Roma, em 1960) não intimidava o currículo experiente de Sonny, 31 anos, 35 vitórias sendo 24 por nocaute e apenas uma derrota. Sendo que das duas ocasiões anteriores à luta, numa Sonny se consagrou campeão mundial e na outra defendeu o cinturão com direito nocaute no primeiro round contra simplesmente Floyd Patterson – primeiro bicampeão mundial pesado da história. Tá explicado porque praticamente ninguém apostava em Cassius, não é?
Porém, nada disso conseguiu abalar a confiança que o destemido jovem de 22 anos tinha diante dessa luta ontológica. Ele sempre se manifestava extremamente confiante, contra tudo e contra todos.
E enfim o grande dia chegou. A data? 25 de fevereiro de 1964. O local? Convention Hall, em Miami Beach, na Flórida. E foi neste dia que Cassius assombrou milhares de pessoas que acompanharam a luta. O que para muitos seria resolvido facilmente nos primeiros assaltos ganhou contexto cinematográfico.
Você pode assistir à luta completa no vídeo abaixo.
Maior e mais veloz, Clay soube usar os seus atributos diante do até então invencível Sonny Liston e depois de 6 rounds, Liston não conseguiu voltar à luta e foi declarado nocaute técnico a favor do agora campeão mundial dos pesos pesados Muhammad Ali. A técnica fora do normal derrotou a brutalidade.
Em 1965, Ali reencontrou Liston numa nova luta e dessa vez venceu por nocaute no primeiro round. Desse reencontro Ali deixou registrado na história mais uma cena de sua carreira. Ao vencer o primeiro round ele queria continuar lutando e vociferava “Levante-se e lute” contra seu oponente, que acabou até levantando, mas não conseguia mais lutar.
Lição 1: Acredite em você com toda a veemência possível de tal forma que não restará outra saída aos outros senão acreditarem também. Se você não fizer isso, ninguém fará.
2. Ande com suas próprias pernas em termos ideológicos: Defenda sempre o que VOCÊ considera correto
Após o primeiro título de campeão mundial, Cassius Clay Jr declarou publicamente que havia se convertido ao islamismo, passando a se chamar Muhammad Ali.
Ali era muito amigo de Malcolm X, um dos maiores defensores do nacionalismo negro nos EUA. Sua amizade com Malcolm e sua conversão ao islamismo motivaram uma decisão que quase põe fim à sua carreira brilhante. Em 1966, Ali se recusou a servir o famoso exército norte-americano (USARMY) na guerra do Vietnã.
A religião de Ali não permite que seus seguidores entrem em guerras que não sejam deflagradas em nome de Alah ou Maomé. Além disso, ele não queria mesmo ir à guerra. Sua aproximação com Malcolm X não apenas o apresentou ao islamismo, como também ao movimento dos direitos civis dos negros e combate ao racismo, idealizado pelo atemporal Martin Luther King. Justamente esses movimentos eram veementemente contrários à guerra do Vietnã, o que embasou a decisão da não participação de Ali na mesma.
A atitude de Ali foi totalmente contrária ao movimento da mídia da época, que era totalmente a favor da guerra que estava complicada para os EUA. Logo, não é de estranhar que não foram poupadas críticas pesadas ao Ali.
Na época, ele mencionou uma frase que também ficou marcada em sua carreira quanto à sua não participação na guerra:
“I ain’t got no quarrel with them vietcong… They never called me nigger.”Não tenho desavenças com os vietcongs, nenhum vietcong jamais me chamou de preto.
Por conta de não ter ido à guerra, Ali foi julgado culpado, e teve sua licença suspensa para lutar nos rings. Pior: Teve seu título de campeão mundial retirado.
Vamos falar um pouco a respeito dessa condenação do Ali por não ter servido ao exército por motivo de convicção religiosa. Muhammad Ali foi indiciado por um júri federal em Houston. Um júri de seis mulheres e seis homens (todos brancos) levou apenas 20 minutos para condená-lo à pena máxima: Cinco anos de prisão e US $10 mil.
O caso chegou à Suprema Corte norte-americana e virou filme, intitulado “A maior luta de Muhammad Ali“, lançado em 2013. O filme é uma excelente indicação para refletirmos sobre o fato de que nem sempre os juízes usam apenas o espírito da lei, mas também fatores políticos em suas decisões, no pior sentido possível da palavra.
No caso em questão, o filme retrata muito bem como a política adotada pelo presidente da época, Richard Nixon, influenciou no julgamento. Felizmente, o final dessa história foi feliz para o Ali, que provou sua inocência. Porém, até o julgamento ele ficou impossibilitado de lutar boxe por aproximadamente quatro anos, lapso de tempo entre a condenação em primeiro grau e a análise do caso na Suprema Corte.
Contudo, até a absolvição na Suprema Corte, apesar de estar impossibilitado de lutar nos rings, ninguém conseguiu parar Muhammad Ali na luta social em defesa de seus ideais em combate ao racismo, ou seja, do que ele considerava correto lutar.
Enquanto estava com a licença para lutar suspensa, Ali palestrou em várias escolas e Universidades norte-americanas, conversando com milhares de jovens sobre a guerra do Vietnã, os direitos civis dos negros, além também de sua trajetória vitoriosa no esporte. Era um negro nascido em uma família pobre e que venceu na vida com muita luta, e que ainda desafiava a USARMY em nome da paz – alguns ex-colegas boxeadores ficaram contra o Ali por conta decisão também. Todos queriam ouví-lo.
Fica o exemplo de um ídolo que defendeu as causas que considerou importantes, independente do que a crítica considerava correto na época. Até porque tudo que fazemos gera uma crítica, se formos nos pautar nisso não faremos coisa alguma.
3. Você não é derrotado quando perde, você é derrotado quando desiste.
Tudo bem que perder não é um termo muito bem adequado quando estamos falando da história de vida de uma lenda como o Muhammad Ali. Mas a verdade é que ele havia perdido seu título de campeão mundial que o apresentou ao mundo e ainda foi condenado por ter se recusado a servir o exército dos EUA no Vietnã.
Porém, nada disso foi suficiente para fazê-lo desistir de sua trajetória. Em 1970 Ali conseguiu uma licença para lutar no Estado de Atlanta e posteriormente conseguiu sua licença “plena” para voltar a lutar em todo os EUA.
Em 1974 Ali reconquistou o título mundial numa bela luta tendo como adversário George Foreman – esse nome que você escuta naquelas propagandas da polishop – no Zaire. A luta foi transmitida para o mundo todo e ficou conhecida por “The Rumble in the Jungle“
Inocentado pela Suprema Corte e novamente campeão mundial, Muhammad Ali encerrou os trabalhos nos rings em 1981. Porém, continuou trabalhando nas causas sociais que acabou culminando na criação do Muhammad Ali Center. Desta forma, ele não se contentou em ser um vencedor, como também fazia o que era possível para tornar outras pessoas vencedoras também, mesmo tendo um passado regado de preconceito e intolerância para com ele, ele reverteu tudo isso em sucesso e boas ações – que renderam vários prêmios, entre eles a medalha presidencial da liberdade em 2005, premiado pela luta pelos direitos humanos.
Se ele tivesse dado ouvidos às críticas, à intolerância, às injustiças cometidas contra ele e desistido de continuar, certamente não estaria escrevendo sobre ele agora. Que seu legado permaneça em cada um de nós para que não façamos, em termos jurídicos, o que o tribunal de Houston fez e que valorizemos o papel do advogado nas grandes e anônimas histórias. Afinal, os advogados de Ali também fazem parte dos bastidores do final vitorioso diante da Suprema corte. Mais uma vez podemos notar o quão importante é o papel do aplicador do direito nos grandes contextos da história.
Termino esse post com uma citação do próprio Muhammad Ali para que sirva de inspiração para todos nós:
“Impossível não é um fato, é uma opinião. Impossível não é uma declaração, é um desafio. Impossível é hipotético. Impossível é temporário. Se minha mente pode conceber isso e meu coração pode acreditar, então alcançarei isso”.
Você alcançou. Descanse em paz, Muhammad Ali.
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