A discussão sobre os limites da imunidade parlamentar em face das medidas cautelares penais ganhou relevância no cenário jurídico brasileiro, especialmente após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5526 pelo Supremo Tribunal Federal. O caso recente da prisão preventiva da ex-deputada federal Carla Zambelli oferece uma oportunidade valiosa para examinar a aplicação prática desses princípios constitucionais.
A ADI 5526 e a delimitação da imunidade parlamentar
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5526, estabeleceu diretrizes fundamentais sobre a aplicabilidade de medidas cautelares aos parlamentares. A Corte reconheceu que o Poder Judiciário mantém competência para impor as medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal aos membros do Legislativo.
Contudo, a decisão mais significativa residiu na declaração de que a prisão preventiva, disciplinada pelo artigo 312 do Código de Processo Penal, revela-se incabível aos parlamentares federais desde a expedição do diploma. Esta conclusão fundamentou-se na imunidade formal prevista no artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição Federal, que visa proteger o exercício independente do mandato parlamentar.
A Corte estabeleceu ainda que, quando a execução de medida cautelar impossibilitar direta ou indiretamente o exercício regular do mandato parlamentar, a decisão deverá ser encaminhada à respectiva Casa Legislativa para os fins constitucionalmente previstos. Importante ressaltar que tal encaminhamento constitui juízo político, não configurando revisão da decisão judicial.
O caso Carla Zambelli: Condenação, perda do mandato e prisão preventiva
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal condenou Carla Zambelli pela prática dos crimes de falsidade ideológica e invasão de dispositivo informático qualificada pelo prejuízo econômico, fixando pena de dez anos de reclusão em regime inicialmente fechado. Na mesma decisão condenatória, o Tribunal decretou a perda do mandato parlamentar da ré.
A prisão preventiva foi determinada posteriormente, em 4 de junho de 2025, fundamentada na conduta da condenada após a decisão judicial. A motivação explícita centrou-se no fato de que Zambelli anunciou ter deixado o Brasil após sua condenação, evadindo-se do distrito da culpa com o objetivo de furtar-se à aplicação da lei penal. O Tribunal considerou que o intuito criminoso permanecia ativo e reiterado, justificando a medida cautelar para garantir a ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal.
Análise da compatibilidade: mandato extinto e aplicação da ADI 5526
A questão central reside em determinar se a prisão preventiva de Carla Zambelli conflita com as diretrizes estabelecidas na ADI 5526. Uma análise técnica revela elementos distintivos que afastam tal incompatibilidade.
Primeiramente, a inaplicabilidade da prisão preventiva aos parlamentares federais, conforme definido na ADI 5526, pressupõe a existência de mandato parlamentar em exercício. A ratio decidendi desta proteção reside na preservação da independência parlamentar e do funcionamento das instituições democráticas. No caso em análise, a prisão preventiva foi decretada após a própria Corte ter declarado extinto o mandato parlamentar na decisão condenatória.
Em segundo lugar, o requisito estabelecido na ADI 5526 para encaminhamento da medida cautelar à Casa Legislativa aplica-se exclusivamente quando a execução da medida impossibilitar o exercício regular do mandato parlamentar. Considerando que o mandato de Zambelli já havia sido judicialmente declarado perdido, a prisão preventiva subsequente não visa impedir o exercício de função parlamentar inexistente.
Ademais, a fundamentação da prisão preventiva baseou-se em critérios aplicáveis a qualquer cidadão que se evade da justiça após condenação criminal, independentemente de eventual condição parlamentar. A medida visou garantir a efetividade da jurisdição penal diante de conduta que compromete a aplicação da lei penal.
Considerações finais
A prisão preventiva de Carla Zambelli não ofende as diretrizes estabelecidas na ADI 5526. A proteção constitucional da imunidade parlamentar formal tem por escopo preservar o exercício do mandato democrático, não constituindo escudo perpétuo contra a responsabilização criminal.
A distinção temporal e causal entre a perda do mandato e a prisão preventiva subsequente revela que a medida cautelar não incidiu sobre parlamentar em exercício, mas sobre cidadã condenada criminalmente que buscou evadir-se da aplicação da lei penal. Esta interpretação harmoniza a proteção constitucional do mandato parlamentar com a necessária efetividade da jurisdição penal, preservando tanto os princípios democráticos quanto a igualdade perante a lei.
O precedente oferece clareza sobre os limites temporais e funcionais da imunidade parlamentar formal, reforçando que a proteção constitucional não se estende além do exercício efetivo do mandato nem ampara condutas que comprometem a aplicação da lei penal.

A Confissão que vale e a associação que não existe: STJ redefine fronteiras no tráfico de…

André Mendonça e o safe harbor à brasileira: avanço hermenêutico ou retrocesso prático? O…

STF: remoção precede promoção na magistratura (ADI 6757)

Súmula 308 do STJ alienação fiduciária
Hey,
o que você achou deste conteúdo? Conte nos comentários.
Excelente artigo, objetivo e necessário para os dias atuais
Obrigado, minha amiga! Agradeço pelo valioso feedback. Um forte abraço.
Excelente análise! O Gigante do Conhecimento Henrique Araujo elaborou um brilhante trabalho que demonstra notável domínio sobre a temática da imunidade parlamentar e sua interpretação à luz da ADI 5526. A exposição é clara, precisa e juridicamente fundamentada, especialmente ao distinguir os limites temporais da prerrogativa funcional e a sua ineficácia diante da perda do mandato. A articulação entre os fundamentos constitucionais e a prática processual penal, notadamente no caso da ex-deputada Carla Zambelli, é feita com grande propriedade, evidenciando maturidade argumentativa e compromisso com o Estado Democrático de Direito. Parabéns pela abordagem crítica e pela profundidade do conteúdo sou seu fã!
Muito obrigado, meu amigo! Fique sempre à vontade para opinar sobre os textos do blog. Suas contribuições são sempre bem-vindas. Abraço.