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Conversa Jurídica

STJ restringe PERSE e consolida interpretação literal de benefícios fiscais

Henrique Araujo
Escrito por Henrique Araujo em julho 6, 2025 8 min de leitura
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O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento histórico do Tema 1.283, confirmou duas restrições fundamentais ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), estabelecendo precedente que impacta diretamente milhares de empresas dos setores de turismo, eventos e alimentação. A decisão, proferida pela Primeira Seção em 11 de junho de 2025, consolidou a exigência de inscrição prévia no CADASTUR e vedou definitivamente a participação de empresas optantes pelo Simples Nacional no programa que oferece alíquota zero para PIS/COFINS, CSLL e IRPJ por 60 meses.

A relevância desta decisão transcende o caso específico do PERSE, pois estabelece parâmetros rigorosos para a interpretação de benefícios fiscais emergenciais, privilegiando a interpretação literal sobre a finalidade social dos programas. Com cerca de 600 mil empregos perdidos no setor durante a pandemia e R$ 140 bilhões em faturamento não realizado, a decisão representa um marco na jurisprudência tributária pós-pandemia, sinalizando que a segurança jurídica do sistema tributário prevalece sobre a amplitude dos benefícios emergenciais.

Contexto histórico e objetivos do PERSE

O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos nasceu como resposta à devastação causada pela pandemia de COVID-19 nos setores de turismo e eventos. O setor de eventos foi o primeiro a parar e o último a retomar, enfrentando redução de 98% no faturamento durante 2020-2021, segundo dados da ABRAFESTA. Com 335 mil bares e restaurantes fechados definitivamente e 1,3 milhão de postos de trabalho extintos apenas no setor de alimentação fora do lar, o PERSE representou uma tábua de salvação para milhares de empresas.

Criado pela Lei 14.148/2021 e sancionado em 3 de maio de 2021, o programa oferece alíquota zero para PIS/COFINS, CSLL e IRPJ por 60 meses (março de 2022 a fevereiro de 2027), além de renegociação de dívidas com desconto de até 70% e linhas de crédito especiais. O programa contempla 30 atividades econômicas específicas, desde a realização de eventos e hotelaria até a prestação de serviços turísticos, representando uma renúncia fiscal estimada em R$ 32 bilhões até 2024.

A evolução legislativa do PERSE demonstra a instabilidade regulatória dos programas emergenciais. A Medida Provisória 1.147/2022, convertida na Lei 14.592/2023, reduziu de 44 para 37 as atividades contempladas e introduziu a exigência de segregação de receitas. Posteriormente, a Lei 14.859/2024 estabeleceu teto de R$ 15 bilhões para renúncia fiscal e reduziu para 30 atividades, provocando o encerramento antecipado do programa em março de 2025.

A decisão do STJ e suas teses centrais

A Primeira Seção do STJ, sob relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, fixou duas teses jurídicas vinculantes que redefinem o acesso ao PERSE:

Tese 1: “É necessário que o prestador de serviços turísticos esteja previamente inscrito no CADASTUR, conforme previsto na Lei 11.771/2008, para que possa se beneficiar da alíquota zero relativa ao PIS/COFINS, à CSLL e ao IRPJ, instituída pelo art. 4º da Lei 14.148/2021.”

Tese 2: “O contribuinte optante pelo Simples Nacional não pode se beneficiar da alíquota zero relativa ao PIS/COFINS, à CSLL e ao IRPJ, prevista no PERSE, em razão da vedação prevista no art. 24, § 1º, da Lei Complementar 123/2006.”

A fundamentação da decisão revela aplicação rigorosa do princípio da interpretação literal previsto no art. 111, inciso II, do Código Tributário Nacional. A relatora argumentou que “se o CADASTUR não fosse usado como elemento indicativo, todo e qualquer restaurante ou assemelhado faria jus ao PERSE”, demonstrando que a exigência é compatível com os objetivos do programa e complementa a comprovação do direito ao tratamento tributário diferenciado.

Institutos jurídicos envolvidos

CADASTUR como critério de elegibilidade

O Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos, instituído pela Lei 11.771/2008, funciona como instrumento de ordenamento e formalização do setor turístico. Sua natureza jurídica de cadastro administrativo público estabelece distinção clara entre atividades obrigatórias (hotéis, agências de turismo, organizadoras de eventos) e facultativas (restaurantes, bares, centros de convenções).

A decisão do STJ consolidou que o CADASTUR é elemento indicativo essencial para caracterizar a prestação de serviços turísticos, especialmente para atividades de cadastro opcional. A mera compatibilidade com código CNAE não é suficiente: exige-se demonstração da regularidade no sistema para acesso a benefícios fiscais específicos do setor.

Para restaurantes e bares, a exigência adquire particular relevância. Embora o cadastro seja facultativo para esses estabelecimentos, a inscrição no CADASTUR torna-se obrigatória para diferenciá-los de estabelecimentos meramente comerciais e enquadrá-los como prestadores de serviços turísticos. Esta distinção não é meramente formal: reflete a intenção legislativa de direcionar o benefício a empresas efetivamente vinculadas ao setor turístico.

Simples Nacional e vedação de cumulação

A incompatibilidade entre PERSE e Simples Nacional decorre do art. 24, § 1º, da Lei Complementar 123/2006, que veda “quaisquer alterações em bases de cálculo, alíquotas e percentuais ou outros fatores que alterem o valor de imposto ou contribuição apurado na forma do Simples Nacional”. Esta vedação possui natureza absoluta e não admite exceções, mesmo diante de normas temporárias ou extraordinárias.

A hierarquia normativa fortalece esta interpretação: a Lei Complementar 123/2006 possui status superior à Lei 14.148/2021 (lei ordinária), conforme determina o art. 146, inciso III, alínea “d”, da Constituição Federal. O STJ reconheceu que optantes do Simples Nacional renunciam a outros regimes tributários, não sendo viável regime híbrido de tributação.

Esta vedação gera consequências práticas significativas. Empresas interessadas no PERSE devem avaliar o desenquadramento do Simples Nacional, considerando que a migração para lucro real ou presumido somente produz efeitos a partir do primeiro dia do ano-calendário seguinte. A decisão requer planejamento tributário cuidadoso, pois nem sempre a alíquota zero do PERSE compensa as vantagens do regime simplificado.

Interpretação restritiva de benefícios fiscais

A decisão consolida a aplicação do art. 111, inciso II, do CTN, que determina interpretação literal para legislação tributária que disponha sobre “outorga de isenção”. Embora o PERSE tecnicamente estabeleça alíquota zero (não isenção), a jurisprudência reconhece equivalência funcional entre os institutos para fins das regras de interpretação restritiva.

Esta orientação proíbe extensão analógica de benefícios fiscais e impede interpretação ampliativa que incluiria situações não expressamente previstas. A segurança jurídica do sistema tributário prevalece sobre considerações de política fiscal ou finalidade social dos programas. O STJ sinalizou que benefícios fiscais emergenciais não escapam desta regra interpretativa, estabelecendo precedente importante para futuros programas governamentais.

Implicações práticas e setoriais da decisão

Impactos imediatos nos setores afetados

A decisão atinge diretamente milhares de empresas dos setores de alimentação, eventos e turismo que planejaram suas operações com base na alíquota zero por 60 meses. Restaurantes e bares, que representam a maior parcela dos potenciais beneficiários, enfrentam agora o desafio de adequar-se ao retorno da carga tributária integral.

O setor de eventos, que havia experimentado crescimento de 74,6% no estoque de vagas formais desde 2019 (muito acima da média nacional de 21,9%), pode ver sua recuperação comprometida. A “Organização de eventos” registrou crescimento de 130,7% nos empregos formais, passando de 47.262 para 109.025 postos de trabalho, demonstrando a efetividade do programa.

Dados econômicos revelam o impacto do PERSE: R$ 57,8 bilhões em consumo nos primeiros cinco meses de 2025, com crescimento de 2,7% no PIB setorial. A interrupção abrupta destes benefícios pode reverter parcialmente estes ganhos, especialmente considerando que o programa foi encerrado antecipadamente em março de 2025 após atingir o teto de R$ 15 bilhões.

Estratégias empresariais de adaptação

Empresas afetadas pela decisão desenvolveram estratégias de compliance tributário mais sofisticadas. A regularização no CADASTUR tornou-se prioridade, embora a decisão do STJ confirme a necessidade de inscrição anterior à Lei 14.148/2021. Diversas empresas optaram por cancelar sua adesão ao Simples Nacional, promovendo reestruturações societárias para acessar os benefícios remanescentes.

A judicialização intensificou-se com entidades como ABRASEL e UBRAFE ingressando com ações questionando a legalidade das restrições. O argumento central foca na ausência de previsão expressa das exigências no texto original da lei, sustentando que as limitações foram introduzidas por atos infralegais da Receita Federal.

Planejamento tributário tornou-se essencial. Empresas implementaram sistemas de monitoramento de alterações legislativas, auditoria interna de processos fiscais e reservas emergenciais para lidar com o retorno da carga tributária integral. A experiência demonstra a importância de diversificar estratégias fiscais e não depender exclusivamente de benefícios temporários.

Aspectos processuais e recursos repetitivos

O Tema 1.283 suspendeu todos os processos relacionados à mesma matéria, conforme determina o art. 256-L do Regimento Interno do STJ. Essa suspensão abrange milhares de processos em tramitação nas diversas instâncias, que deverão ser julgados conforme a tese fixada pelo tribunal superior.

A decisão produz efeitos vinculantes para tribunais e juízes de primeira instância, que devem aplicar as teses fixadas aos casos similares. Embora algumas decisões de primeira instância tenham sido favoráveis aos contribuintes, o posicionamento do STJ é definitivo para a questão federal, restando eventual recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal.

Tendências do direito tributário pós-pandemia

Consolidação da interpretação literal

A decisão do STJ marca tendência de interpretação rigorosa de benefícios fiscais emergenciais, privilegiando a segurança jurídica sobre a amplitude dos programas. Esta orientação consolida jurisprudência que exige previsão expressa e inequívoca dos requisitos de elegibilidade, não admitindo extensões analógicas ou interpretações ampliativas.

Futuros programas emergenciais deverão observar maior rigor na definição de critérios objetivos, prazos determinados e monitoramento contínuo. A experiência do PERSE demonstra que a instabilidade regulatória compromete a efetividade dos incentivos e gera insegurança jurídica para os beneficiários.

Fortalecimento do compliance tributário

A decisão catalisa evolução do compliance tributário setorial, com implementação de programas preventivos mais robustos, investimento em capacitação de equipes fiscais e maior demanda por assessoria jurídica especializada. A digitalização dos processos de conformidade torna-se imperativa para monitorar alterações legislativas e gerenciar riscos tributários.

Inteligência artificial e análise preditiva de riscos fiscais emergem como ferramentas essenciais para gestão tributária moderna. A integração de sistemas entre órgãos públicos facilita o cruzamento de dados e a identificação de inconsistências, exigindo maior sofisticação dos programas de compliance empresarial.

Transparência e controle fiscal

A experiência do PERSE fortalece mecanismos de transparência na concessão de benefícios fiscais, com divulgação sistemática de beneficiários por meio do Portal da Transparência e estabelecimento de limites quantitativos para programas futuros. A avaliação rigorosa da efetividade dos incentivos torna-se componente essencial das políticas fiscais.

Controle social e accountability fiscal ganham relevância, com maior participação da sociedade civil no monitoramento dos programas governamentais. A prestação de contas sobre a utilização dos recursos públicos e a demonstração de resultados concretos tornam-se requisitos indispensáveis para a legitimidade das políticas de incentivo.

Considerações finais e perspectivas

A decisão do STJ sobre o PERSE representa marco na jurisprudência tributária brasileira, estabelecendo precedente que influenciará a interpretação de benefícios fiscais emergenciais por décadas. O posicionamento restritivo do tribunal, exigindo interpretação literal das normas de isenção, demonstra preferência pela segurança jurídica em detrimento da amplitude dos programas sociais.

O impacto setorial foi significativo, especialmente para empresas que fundamentaram estratégias de longo prazo na continuidade dos benefícios. A experiência revela a importância de diversificar fontes de vantagem competitiva e não depender exclusivamente de incentivos temporários, por mais generosos que sejam.

A consolidação desta jurisprudência sinaliza nova fase do direito tributário brasileiro, caracterizada pela interpretação rigorosa de benefícios fiscais, fortalecimento dos mecanismos de compliance e maior transparência na concessão de incentivos. Empresas e profissionais do direito devem adaptar-se a este novo paradigma, desenvolvendo competências e processos adequados à realidade jurisprudencial estabelecida.

Para a comunidade jurídica, a decisão oferece orientação clara sobre os limites da interpretação de benefícios fiscais emergenciais, estabelecendo que a literalidade da norma prevalece sobre considerações de política fiscal ou finalidade social. Este precedente será fundamental para orientar futuros programas governamentais e estratégias empresariais de planejamento tributário.

A experiência do PERSE, com suas conquistas e limitações, servirá como referência para o desenho de políticas fiscais mais efetivas e juridicamente sustentáveis, contribuindo para o fortalecimento do sistema tributário brasileiro e a promoção do desenvolvimento econômico nacional.

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