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'Vingança pornô' na mira da lei

Henrique Araujo
Escrito por Henrique Araujo em outubro 29, 2013
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Dois projetos de lei atualmente em tramitação no Congresso Nacional pretendem punir quem divulgar fotos e vídeos íntimos sem o consentimento da parceira


Fonte | Zero Hora

Durante três anos, ela recebeu ligações de estranhos procurando por sexo fácil. O ex-namorado havia cadastrado fotos íntimas da jovem em sites de pornografia e de garotas de programa, com seus dados pessoais e telefone celular. Ela perdeu o emprego, o sossego e a autoestima. Sete anos depois, a jornalista Rose Leonel fala hoje abertamente sobre o trauma e ajuda mulheres que passaram por situação semelhante, por meio da ONG Marias da Internet. Mas pouco ainda se discute sobre o que fazer quando a violência doméstica ultrapassa as barreiras físicas do lar e expõe a vida íntima de um casal pelas redes sociais.


Para tentar coibir a disseminação dessa prática, apelidada de “vingança pornô”, e evitar que histórias como a de Rose se repitam, dois projetos de lei estão em tramitação no Congresso. Um deles, apresentado na quarta-feira (23)  pelo deputado federal Romário (PSB-RJ), sugere alteração no Código Penal para enquadrar esses atos como crime contra a dignidade sexual, sujeitando o autor à detenção de um a três anos, além de multa.


A outra proposta, do deputado João Arruda (PMDB-PR), estabelece que a divulgação de fotos e vídeos íntimos sem o consentimento dos parceiros seja enquadrada na Lei Maria da Penha. Se o projeto for aprovado, as vítimas deverão receber assistência judiciária e atendimento nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. Também haverá maior participação do Ministério Público e o processo deve ser mais ágil.

– A grande discussão sobre internet é o desafio de formar uma legislação que consiga ao mesmo tempo garantir a liberdade de expressão e preservar a privacidade das pessoas. Vimos a necessidade de fazer uma lei que correspondesse àquilo que foi debatido durante a aprovação da Lei Carolina Dieckmann, que trata da proteção de dados por ataques de hackers. Mas não tem nada a ver com uma lei que proteja os direitos da mulher e que sirva como medida preventiva para crimes de violência que são até piores do que a violência física, porque o assédio moral, a exposição na internet, isso fica marcado pra vida inteira – afirma Arruda.

De acordo com o advogado José Carlos de Araújo Almeida Filho, professor da Universidade Federal Fluminense e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, a proposta é um avanço, mas poderia ser mais ousada, com uma norma reguladora independente de gênero, pois ainda há juízes que não aplicam a Lei Maria da Penha quando se trata de um casal homoafetivo ou se o ofendido for um homem. Para ele, os legisladores estão perdendo a oportunidade também de regulamentar a produção de provas em casos como esse.

– A reforma do Código de Processo Civil tem uma falha gravíssima, porque não prevê prova eletrônica. Temos um código com cara de papel enquanto vivemos uma era informatizada. Outro problema grave é a votação do Marco Civil da Internet que, de acordo com a redação, não admite a quebra de sigilos telemáticos para obtenção de prova em demandas cíveis. Há uma confusão probatória, os códigos processuais são omissos e estamos atrasados em mais de duas décadas.

Nos Estados Unidos, Califórnia e New Jersey legislaram recentemente sobre o assunto e outros nove Estados planejam fazer o mesmo, mas se discute se esse tipo de crime deveria ser tratado em âmbito cível ou criminal, o que implicaria diferentes penas, variação no peso das provas e maior participação do Estado na resolução do conflito.

Para o delegado José Mariano de Araújo Filho, especialista da Polícia Civil de São Paulo em investigações de crimes praticados por meios eletrônicos, a dificuldade operacional e a ausência de regulamentação legislativa para coleta das provas são os principais entraves à resolução desses casos.

– Não é qualquer policial hoje que encontra o preparo técnico-científico para esse tipo de investigação. É preciso tempo, preparo e investimento. E se alguém armazena informações num site hospedado fora do país, a polícia leva meses porque depende de cooperação internacional, passando até mesmo pela esfera diplomática. É um contrassenso, pois a principal característica desse tipo de crime é que a prova é extremamente volátil.

ENTENDA OS PROJETOS


Projeto de Lei 5555/2013


Apresentado em maio pelo deputado João Arruda (PMDB-PR), aguarda parecer da Comissão de Seguridade Social e Família

– Amplia a quantidade de delitos abrangidos pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). A violação da intimidade, pela internet ou qualquer outro meio, sem consentimento, passa a ser considerada violência doméstica e familiar contra a mulher.

– Caso entenda necessário, o juiz ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site ou de blog e de telefonia móvel que remova, no prazo de 24 horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher, como imagens, dados pessoais, vídeos, áudios obtidos no âmbito de relações domésticas ou de hospitalidade.

Projeto de Lei 6630/2013

Apresentado no dia 23 pelo deputado Romário (PSB-RJ), aguarda despacho do presidente da Câmara para início à tramitação

– Acrescenta um artigo ao Código Penal, considerando crime a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima.

– Será prevista detenção de um a três anos, além de multa. A pena será aumentada em um terço se o crime for cometido com o fim de vingança ou humilhação, ou se a autoria for atribuída a quem era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou manteve relacionamento amoroso com a vítima.

– O autor também terá de indenizar a vítima por despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e perda de emprego. O pagamento não exclui o direito da vítima de buscar indenização por danos morais.

SAIBA COMO SE PROTEGER


Nas relações pessoais


– Evite se expor logo no início do relacionamento, mas, caso queira tirar fotos e fazer vídeos, não mostre o rosto ou traços facilmente identificáveis, como tatuagens.

– Não use o celular para fazer imagens, porque o parceiro pode facilmente reencaminhá-las sem você perceber. Prefira as câmeras digitais.

– Caso queira compartilhar suas fotos com alguém, não envie do seu e-mail pessoal.

Na assistência técnica

Fotos e vídeos pessoais podem ser acessados também por terceiros, seja um hacker ou um funcionário de assistência técnica, por exemplo. Foi o que aconteceu quando a atriz Carolina Dieckmann levou o computador para manutenção e foi chantageada por pessoas que tiveram acesso aos arquivos. Algumas dicas podem ajudar a manter seus dados mais seguros:

– Proteja os arquivos por meio de senhas de acesso e com ajuda de softwares de criptografia, como o TrueCrypt ou o BitLocker

– Procure manter os arquivos importantes fora do computador, usando uma pen drive ou HD externo

– Prefira um técnico que realize o serviço na sua casa mas, caso não seja possível, remova os arquivos do disco rígido antes de levá-lo para manutenção. Você pode usar um Live CD do Linux, que inicia o computador sem usar o HD, no caso de o sistema estar completamente inacessível

– Mantenha o antivírus e o sistema operacional atualizados

– Instale um software no seu celular ou tablet que permita o rastreamento e acesso remoto ao aparelho em caso de perda, furto ou roubo. A Apple oferece o aplicativo Buscar Iphone, e o Google, o Android Lost

“A sociedade julga a vítima do crime, não o criminoso covarde”

A jornalista Rose Leonel conta o sofrimento de ter sua intimidade exposta na internet

—Sofri um assassinato moral, social e profissional.

Em apenas uma frase, a paranaense Rose Leonel consegue dar a dimensão dos danos que sofreu após ter a intimidade exposta na internet. Ela decidiu romper com um relacionamento estável de quase quatro anos, mas o ex não aceitou o término e decidiu se vingar. Perseguiu-a de forma sistemática, divulgado quinzenalmente fotos dela misturadas a imagens de sites pornográficos, oferecendo-a pela internet como se fosse garota de programa. Rose trocou de telefone inúmeras vezes, mas não adiantava. O ex divulgava até o telefone de familiares dela.

Em 2006, Rose ingressou no Juizado Especial de Pequenas Causas mas, como a situação era nova, ele apenas pagou uma multa e continuou a persegui-la. Depois de contar com ajuda na investigação, ingressou novamente na Justiça. O ex só parou depois que saiu a sentença: indenização de R$ 30 mil e pena de um ano, 11 meses e 22 dias de prisão. Ele não chegou a ir para a cadeia, porque a condenação foi convertida em pena alternativa.

Histórias como a de Rose se repetem no país e pelo mundo. Neste mês, uma jovem de 19 anos, moradora de Goiânia, teve sua privacidade exposta na rede quando imagens dela fazendo sexo oral no ex-namorado foram divulgadas pelo whatsapp, aplicativo de mensagens instantâneas usado em smartphones. Em março de 2009, caso semelhante ocorreu na pacata Ibirubá, região do Alto do Jacuí, quando um vídeo mostrando momentos íntimos de uma menina de 11 anos e um garoto de 14 circulou pela internet. Humilhada com a repercussão do caso, a família da garota decidiu mudar de cidade.

Nos Estados Unidos, a psicóloga Holly Jacobs, depois de sofrer durante anos com o mesmo tipo de abuso pelo ex-namorado, iniciou no ano passado uma campanha nacional por meio da ONG endrevengeporn.org (acabe com a violência pornô, em tradução livre) para pressionar as autoridades e ajudar vítimas. Por aqui, Rose fundou a ONG Marias da Internet, para fazer o mesmo, e está em busca de psicólogos, advogados e assistentes sociais que queiram estender voluntariamente a mão para essas mulheres. Ela decidiu contar sua história para ajudar outras a superarem o trauma:

— A sociedade julga a vítima que foi revelada no crime, não o criminoso covarde que cometeu aquele ato por trás de um computador. Isso abala sua identidade, porque querem vender uma imagem deturpada de você na internet. Isso (violação da intimidade) gera um conflito psicológico muito forte. É um processo de coisificação, que vem junto com um processo de exclusão social, abandono, marginalização. Quando se é alvo de preconceito, a vítima dificilmente consegue superar. A gente perde tudo. Mas nunca se deve perder a fé em Deus. Costumo dizer que minha vida é um milagre. E a superação ainda é um exercício diário.

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